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sábado, 25 de dezembro de 2010

Ciência e Ceticismo

Norman Parker
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar podemos conseguir em outro lugar.

(Sigmund Freud)

 Ciência é a doutrina sistemática de obtenção de conhecimento e seu  motor é a dúvida. Sem dúvidas, não há perguntas, sem ceticismo qualquer inverdade se torna uma verdade, sem critérios, sem métodos, guiada apenas pela nossa ingenuidade. A verdade é um quebra cabeças, montá-lo é impossível. Impossível é apenas aquilo que ainda não conseguimos fazer. Algumas dessas peças podem ser confortantes, outras desoladoras.

Mitos são tomados por verdades, considerando apenas a sua utilidade prática de consolo existencial - um legítimo tapa buracos metafísico. Não considero que essa metafísica seja irreal, considero  apenas que não é seguro e incongoscível até mesmo para especular-mos, por isso a ciência concentra-se apenas no que é 'tangível' no universo humano. Quantas vezes já não nos agarramos a mais irracional das ilusões, das esperanças, para justificar qualquer fatalidade, para servir de consolo para qualquer desgraça e depois percebemos o engano? Se o conhecimento não for validado por um legítimo e rigoroso método científico, estaremos sempre fadados ao erro.

Por outro lado, a descrença, o ceticismo existe em abundancia. Não o ceticismo científico, o pior dos ceticismos - a descrença nos valores éticos, na utilidade prática da atitude e na ação em prol da ordem, do Cosmos. A descrença no que realmente tem uma utilidade prática para a ordem, para progresso, para o bem de todos. Esta sem dúvida é a pior das crenças, ou melhor, a descrença.

Se por uma lado não existe ciência sem dúvida,  por outro não existe mudança sem atitude. O ainda não descoberto é possível, considerando as possbilidades com segurança e responsabilidade. O ainda não construído é possível, o melhor dos mundos, só é preciso construí-lo, mas depende inteiramente de nós, apenas nós.

domingo, 28 de novembro de 2010

Citações fora de contexto

Edward Hopper
Freqüentemente encontramos por aí citações de importantes pensadores, citações polêmicas que fora de contexto podem tomar um significado totalmente deturpado. É um caso freqüente o filósofo genealogista Friedrich Nietzsche com sua vasta é difícil obra que exige muito mais do que uma simples leitura, mas como o próprio dizia é preciso aprender a arte de ruminar seus escritos para entende-los. Assim como ele, é todo filósofo, uso de linguagem técnica, na forma culta, metáforas e no caso do Nietzsche até a forma poética. 

A mulher foi o segundo erro de Deus. (Nietzsche)
A princípio parece uma preconceituosa frase sem sentido e sem fundamento, assim como a célebre "Deus está morto" (Vide O Impacto de Nietzsche no século XX e Nietzsche e Nazismo), que assim como a primeira é mal interpretada na maioria das vezes. Para se entender é preciso analisá-la em seu contexto que segue abaixo. É preciso tomar cuidado antes de citar qualquer pensador para não se comenter o equívoco de mal entende-lo, quando muitas vezes, esses velhos pensadores, querem dizer no contexto exatamente o contrário do que a frase isolada diz.

XLVIII

O velho Deus, todo “espírito”, todo grão−padre, todo perfeição, passeia pelo seu jardim: está entediado e tentando matar tempo. Contra o enfado até os Deuses lutam em vão(1). O que ele faz? Cria o homem – o homem é divertido... Mas então percebe que o homem também está entediado. A piedade de Deus para a única forma da aflição presente em todos os paraísos desconhece limites: então em seguida criou outros animais. Primeiro erro de Deus: para o homem esses animais não representavam diversão – ele buscava dominá−los; não queria ser um “animal”. – Então Deus criou a mulher. Com isso erradicou enfado – e muitas outras coisas também! A mulher foi o segundo erro de Deus. (o grifo é meu) – “A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento. – Que sucedeu? O velho Deus foi acometido por um pavor mortal. O próprio homem havia sido seu maior erro; criou para si um rival; a ciência torna os homens divinos – tudo se arruína para padres e deuses quando o homem torna−se científico! – Moral: a ciência é proibida per se; somente ela é proibida. A ciência é o primeiro dos pecados, o germe de todos os pecados, o pecado original. Toda a moral é apenas isto: “Tu não conhecerás” – o resto deduz−se disso. – O pavor de Deus, entretanto, não o impediu de ser astuto. Como se proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta: expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar. – Então o “padre” inventa a angústia, a morte, os perigos mortais do parto, toda a espécie de misérias, a decrepitude e, acima de tudo, a enfermidade – nada senão armas para alimentar a guerra contra a ciência! Os problemas não permitem que o homem pense... Apesar disso – que terrível! – o edifício do conhecimento começa a elevar−se, invadindo os céus, obscurecendo os Deuses – que fazer? – O velho Deus inventa a guerra; separa os povos; faz com que se destruam uns aos outros (– os padres sempre necessitaram de guerras...). Guerra – entre outras coisas, um grande estorvo à ciência! – Inacreditável! O conhecimento, a emancipação do domínio sacerdotal prosperam apesar da guerra! – Então o velho Deus chega à sua resolução final: “O homem tornou−se científico – não existe outra solução: ele precisa ser afogado”...

1 – Paráfrase de Schiller, “Contra a estupidez até os Deuses lutam em vão”. (H. L. Mencken)

(Friedrich Nietzsche, O Anticristo, XLVIII)

domingo, 21 de novembro de 2010

Globalização

Willian Ferreira
Com o neo-liberalismo econômico pós Guerra Fria, se entregou ao poder econômico as rédeas das nações, o mundo se unificou, se interligou, se globalizou e fronteiras e culturas estão por desaparecer. O que antes era domínio do estado passou a ser a  privado: saúde, educação, saneamento básico... só restou segurança e coerção. O produto e o capital que antes era material, agora não tem cheiro não tem cor, é informação. Informação teleguiada, 24 horas, um disparo, um botão, mundo virtual em nenhuma mão. Empresas sem sede e sem nação, trabalho em casa para o patrão, é tudo virtual, folha de pagamento e cartão de ponto. E chegará o dia, não daquela utopia de Marx do desenvolvimento máximo, mas o dia que será privatizado todo o estado e então teleguiados por fibras ópticas na tela do computador, sem sair de casa, sem contato humano, sem calor... seremos também apenas máquinas, porque perdemos o controle. 

sábado, 13 de novembro de 2010

Auto Engano

"... o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entando, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer."
(Jean Paul Sartre)

O homem, quando diante de uma escolha difícil e desfavorável, com freqüência se refugia no auto-engano, fenômeno chamado por Sartre de má fé. O homem quando atormentado pela angústia de que é livre e que somente ele, sem auxílio algum, deve decidir por si mesmo, geralmente este recorre a duas opções. Na primeira delas se atribui a responsabilidade de sua ação à fatalidade de um destino. Na segunda este finge não escolher, se auto-engana ou segue uma moral pré-estabelecida, se torna adepto de algum dogma religioso, moral ou ideológico optando por seguir em vez criar-se a si próprio. Um bom exemplo disso é o indivíduo que numa eleição se abstém de votar ou vota nulo, alegando que não participará do processo democrático para não ser conivente com a escolha de um representante ruim, quando nenhuma das escolhas lhe é favorável. Ele alega que não escolher é também uma escolha. Porém ele está apenas se auto-enganando, acreditando que não escolhendo estará isento de responsabilidade no devir. O indivíduo que assim pensa, age desta forma somente para se livrar da angústia da escolha, da responsabilidade que implica assumir riscos quando não há alternativas favoráveis nem fáceis. Então ele prefere se acovardar assim como aquele que prefere morrer do que ir pra guerra. Viver implica em escolher, assumir riscos, responsabilidades e ser agente do próprio destino. Quem não escolhe a si próprio diretamente, escolhe a si próprio indiretamente como um acidente de percurso.

"A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites uma dentro da outra."
(Albert Camus)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Destinados a incompreensão

Edward Hopper


Não acredito que alguém possa me compreender. Para isso ser possível deveria supor que esse alguém pudesse me conhecer, pensar e sentir como eu. Mas eu sozinho já sou gente demais. Não sou numa única direção, não sou inteiramente livre para isso. Mas, se pelo contrário, sou em multi direções, quem pode estar em todas elas a não ser eu mesmo? O juízo do outro sobre mim estilhaça-me por completo. Seu entendimento não é sobre mim, mas apenas de um fragmento, ou sou por inteiro ou não sou. Se sou apenas o agora, o entendimento do outro está sempre desatualizado. Se não nos mostramos por completo, não em razão das máscaras sociais, mas em função de nossa própria limitação, qualquer juízo será apenas um sintoma. Ainda assim, se sou daqueles que se distanciam irremediavelmente da superfície para o profundo, para o abismo e não encontre dentre os vivos, alguém a quem me sinta próximo, que esperar daqueles que jamais sairam da superfície? Nada além de que estamos destinados a incompreensão.

sábado, 23 de outubro de 2010

Politeísmo


A maior utilidade do politeísmo - Que o indivíduo determinasse a si mesmo o seu ideal particular e dele originasse a sua lei, seus amigos e seus direitos, eis o que talvez fosse considerado um monstruoso engano humano e uma idolatria em si mesma; realmente, os raros que a ela se atreviam tinham sempre necessidade de fazer a sua apologia aos seus próprios olhos, e geralmente nestes termos: "Não fui eu! Não fui eu! Mas sim um deus que agiu por mim!". Foi a força maravilhosa, a arte espantosa de criar deuses, o politeísmo, que permitiu que esse instinto se descarregasse, se purificasse, se aperfeiçoasse, se enobrecesse: pois que isso era, a princípio, apenas uma tendência vulgar e pobre, parente do egoísmo, da desobediência e da inveja. Combater esse instinto do ideal pessoal foi antigamente a lei de toda moralidade. Só havia então um modelo: "o homem", e todos os povos julgavam possuir dele a amostra definitiva. Mas acima, e fora da pessoa, na distãncia de um mundo superior, tinha-se a permissão de ver uma pluralidade de normas; nenhum deus era a negação, a blasfêmia de um outro deus! E foi aí que se começou a permitir o aparecimento de indivíduos, a honrar-se um direito individual. A invenção dos deuses, de heróis e de super-homens de todas as espécies, assim como de homens sátiros, de demônios e de diabos, foi uma inestimável preparação à justificação do amor-próprio e da soberania do indivíduo: a liberdade concedida a um deus nas suas relações com os outros deuses, acabou por ser concedida a si mesmo, através das leis, dos costumes e dos vizinhos.


O monoteísmo, ao contrário, essa rígida consequência da doutrina de um só homem normal - desta vez, portanto, em um deus normal junto do qual não há senão falsos deuses - foi talvez até agora o maior prerigo da humanidade: ameaçou-a com a paragem prematura a que chegaram já, até onde pudemos julgar, a maior parte das outras espécies animais, convencidas como estão da existência de um só animal normal, de um só ideia da sua espécie, depois de terem feito entrar definitivamente a moralidade na sua carne. No politeísmo, encontra-se já uma primeira imagem do livre-pensamento, do polipensamento do homem: a força de se criar olhos novos e pessoais, cada vez mais novos e mais pessoais, de tal maneira que somente para o homem, entre todos os animais, não há horizontes nem perspecivas eternas. 


(Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência - 143)

domingo, 17 de outubro de 2010

Philosophia

"Filosofia (do grego Φιλοσοφία: philos - que ama + sophia - sabedoria, « que ama a sabedoria ») é a investigação crítica e racional dos princípios fundamentais relacionados ao mundo e ao homem."
(Wikepédia)

Por se tratar de uma investigação crítica e racional, por excelência, deve se excluir da investigação fatores ligados a emoção, utilidade e, como diria o filósofo Nietzsche, eliminar totalmente o apego à verdades ou inverdades, crenças metafísicas e tudo quanto é ligado a subjetividade, buscando acima de tudo a objetividade. Deve se, como condição essencial da filosofia, mergulhar na realidade, se embriagar de lucidez e "de onnibus dubitandum" - de tudo duvidar. É preciso aprender a desaprender, começar outra vez a explorar o mundo, buscar descobri-lo tal como é, ignorando o mundo "como gostaríamos que ele fosse", sempre com uma visão crítica e racional. Não se deve jamais esperar da ciência e da filosofia descobertas agradáveis. Se tens "amor pelo saber" nunca se deve buscar uma verdade agradável, se assim fizer, isso é tudo, menos filosofia. A filosofia não traz felicidade, pode apenas propiciar ao terreno boas condições onde pode a sabedoria germinar. A filosofia é também uma ponte entre o mundo superficial e o mundo tal como é, porém uma vez atravessada essa ponte, jamais poderá voltar, a filosofia destrói à marteladas o mundo superficial, o mundo de ilusões, próteses e consolos metafísicos. A sabedoria, dizia o filósofo André Comte, é extrair da lucidez o máximo de felicidade - eis uma tarefa nada fácil.

domingo, 10 de outubro de 2010

O Impacto de Nietzsche no Século XX





Segundo o filósofo brasileiro, Oswaldo Giacóia, no documentário de mesmo nome do título, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 - 1900), foi o pensador que melhor trabalhou a questão da "crise de valores" e a crise da razão na sociedade emergente do século XIX pós revolução burguesa e industrial. Nietzsche pretendia formar um diagnóstico e um prognóstico da sociedade de sua época, e além disso, apresentar uma solução, uma terapia para a crise da modernidade. 


Uma das questões mais importantes do impacto do pensamento nietzscheano no século XX é questão da sua associação com doutrinas totalitárias, como nazi-fascismo, que foi facilitada pela irmã do Nietzsche, enquanto este encontrava-se incapaz de fazer uso de suas faculdades mentais, mergulhado no mais profundo abismo, perdido no mais distante dos labirintos. Elisabeth, era como se chamava a irmã do filósofo, se julgava como única herdeira e interprete do pensamento do seus irmão, e por afinidade com o nacional socialismo, fez o que bem entendeu, associando e aparentando o pensamento nietzscheano ao nacional socialismo. Porém, qualquer associação do pensamento do filósofo alemão, a qualquer doutrina totalitária é absolutamente incoerente com o que há de mais essencial em sua obra.

Ao que se refere ao “além homem” nietzscheano, diferente do super homem produzido pela indústria cultural norte americana – um homem potencializado fisicamente – o “além homem”, o übermensch, se trata da superação do homem moderno tal como produzido historicamente, a superação do homem “doente de si mesmo”, que para suportar a existência a saturou de próteses e consolos metafísicos. O “além homem” é aquele que encara a existência sem fazer uso de artifícios metafísicos para dar sentido a vida à assumindo em sua total falta de sentido. O homem “doente de si mesmo” produzido historicamente inventou toda espécie de artifícios metafísicos para dar sentido a existência, principalmente através da religião e da moral, que se constitui em duas negações fundamentais: a experiência de tempo e a finitude e a experiência de morte. A partir dessas duas negações inventaram ultra e além mundos, perspectivas de vida eterna, sentidos absolutos para a existência, finais escatológicos do tempo, dentre outros, sem os quais não suportariam a vida. Para Nietzsche, ultrapassar o homem é justamente superar isso e viver de maneira radical a finitude humana, sem necessidade de consolos metafísicos.  Assumir a perspectiva de que a existência não tem justificativa ética, religiosa ou metafísica, mas que se há alguma, esta pode ser apenas a perspectiva estética, isto é, que a vida assume a forma de uma bela obra de arte – e pra assim viver é preciso ser mais do que homem!

A respeito da “morte de Deus”, muito se confunde seu anunciador, Nietzsche, como seus assassino. O que Nietzsche faz, é mostrar para o homem moderno que Deus está morto, e que somos nós seus assassinos, trazendo à luz uma realidade incontornável e inextirpável do próprio movimento de esclarecimento, pois para ele a ciência é intrinsecamente ateísta. Isto é, o homem moderno colocou o homem, o mundo e a história sobre o signo da razão  esclarecida, esta por sua vez, nega qualquer forma de vassalagem e tutelagem, é a razão absoluta da auto-determinação, portanto, sem Deus, pois este exige subordinação. Porém, o homem moderno é hipócrita, quer uma coisa e seu oposto, quer a auto-determinação, mas quer a também a proteção de um absoluto qualquer, pois o homem tem necessidade de refúgio, redenção, salvação e sentido.

A razão esclarecida não pode ser detida e suas conseqüência devem ser levadas até o fim, que vão desembocar no niilismo. O niilismo é a doutrina do nada, em que nada resta de consolo ao homem moderno, suprimindo qualquer valor histórico, como o caso da anarquia total e o hedonismo da sociedade de consumo; ou o apego a total a valores históricos como é o caso do fundamentalismo.

O Eterno Retorno é a solução apresentada, uma forma de representação cíclica do tempo, em que tudo que ocorre se repetirá infinitas vezes exatamente como ocorreu. O niilista passivo vive resentido, em condições perenes, das quais não consegue se desprender. O niilista ativo, pelo contrário, é aquele que reconhece suas condições e busca superá-las, somente este pode viver o eterno retorno. Este, por sua vez, significa assumir uma perspectiva afirmativa perante uma existência sem sentido, convivendo com a experiência de tempo e finitude e a experiência de morte, sem um final apocalyptico ou sentido absoluto. Significa assumir uma posição ativa, assumir o controle e a total responsabilidade por si mesmo, fazer com que cada ato seja desejado de tal forma que seja digno de ser repetido infinitas vezes e de forma que se deseja que a vida, tal como foi, se repita infinitas vezes.

Nietzsche muitas vezes é interpretado de forma equivocada e associado às doutrinas mais perversas que já existiram como nazi-fascismo e eugenia. Porém todas essas doutrinas possuem o que ele mais desprezava, o niilismo passivo, os sintomas do “ultimo homem”, do homem “doente de si mesmo”, ressentido e que odeia a vida. Nietzsche propunha a superação desse homem, algo além do homem capaz de afirmar a vida (eterno retorno), de amar o seu destino tal como é (amor fati), lidar com a realidade tal como ela se apresenta e viver e permitir que o outro viva tal como o seu próprio projeto. 




Resenha: Alan Teixeira,
Documentário: O Impacto de Nietzsche no século XX, por Oswaldo Giacóia, TV Cultura.

domingo, 12 de setembro de 2010

Objetividade e Subjetividade

Johannes Vermeer
A objetividade é a virtude com qual sonha toda ciência e filosofia, a ilha dos bem aventurados, o continente ainda não descoberto, a órbita de todos os astros! Essa imparcialidade tão sonhada para com a verdade, a indiferença para com os sentimentos e impulsos mais dominadores.

Se por um lado somos incapazes de superar nossa condição humana subjetiva, repleta de limites de percepção e necessidades fisiológicas; limites emocionais produto da apreciação e depreciação dos fenômenos do mundo, que fazem-nos posicionar a respeito de algo a partir da inclinação e prazer ou aversão e desprazer, nos impossibilidade o conhecimento objetivo. Por outro é a própria subjetividade que da cor, brilho e sentido à vida, à existência. Independente da cor e brilho, do sentido, é nossa capacidade e necessidade de atribuir valores e significados que torna a existência algo simplesmente magnífico, independente se seja ou não.


Supondo que pudéssemos eliminar da condição humana todas as paixões, vícios, sentimentos e tudo aquilo que nos afasta da objetividade, exceto condições puramente biológicas, não faríamos de nós mesmos seres desprezíveis? Sequer poderíamos ser chamados de seres, seríamos apenas objetos.

Ao eliminar tudo aquilo que pertence à esfera do subjetivo, eliminaríamos conjuntamente tudo aquilo que caracteriza o ser no mundo - toda a arte, da música à literatura, das artes cênicas às artes plásticas... e assim tiraríamos da vida toda sua prodigiosa exuberância. Não restaria nem mesmo a ciência, restando apenas a objetividade, esta não nada seria sem o impulso criador, a vontade de verdade, o sentimento que nos impulsiona em direção ao desconhecido, ao longínquo, como desbravadores por terras e mares desconhecidos, cheio de perigos... Ah se não fosse o prazer pelo perigo, pela aventura, o deleite da descoberta... sem a subjetividade não teríamos nem arte nem ciência, eis a condição primordial para a existência - o impulso subjetivo para o prazer!

Alan Silva

domingo, 22 de agosto de 2010

O Existencialismo é um Humanismo


O existencialismo é um Humanismo é um ensaio escrito pelo filósofo francês Jean Paul Sartre (1905 – 1980), derivado de uma conferência feita por ele em Paris, em 1946, para explicar sua doutrina e também defendê-la de algumas acusações..

O existencialismo era acusado incitar pessoas a permanecerem no quietismo de desespero; por acentuarem a infâmia humana, mostrando em tudo o sórdido, o equívoco, o viscoso e por descurar certo número de belezas, o lado luminoso da natureza humana; por não atender à solidariedade humana, por trancar o homem entre quatro paredes e, por fim, a crítica cristã pelo existencialismo negar a realidade divina, suprimindo Deus e os valores dele derivados, restando a gratuidade, podendo assim cada qual fazer o que lhe apetecer.

Sartre afirma que o existencialismo é uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana. Há duas espécies de existencialistas, aqueles que se declaram cristãos e, por outro lado, aqueles que se declaram ateus, que tem em comum o princípio que, como diria o própria Sartre, “a existência precede a essência, ou, se quiser,  que temos de partir da própria subjetividade.” O que deve se entender por isso, é que não somos a priori um projeto pensado, mas que somos apenas a posteriori, isso quer dizer, que primeiro existimos e depois definimos nossa essência. Porém Sartre critica o existencialismo cristão, já que a partir do momento que concebemos um Deus criador, esse Deus identificamo-lo quase sempre com um artífice superior e se admitirmos que a vontade segue mais ou menos uma intenção, uma inteligência, Deus quando cria sabe perfeitamente o que cria, o que torna impossível que, neste caso, a essência preceda a existência. Por outro lado havia o ateísmo dos filósofos do século XVIII, que mesmo suprimindo a noção de Deus, continua com a concepção de que a essência precede a existência a partir do momento que concebe a idéia de uma natureza humana. Nas palavras do Sartre:


“O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeira não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz.”


Esse é o primeiro princípio do existencialismo, o que é chamado de subjetividade, que sempre deixa uma opção de escolha e escolhendo o homem se escolhe:


“O homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais anda, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes mais o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser. Porque o que entendemos vulgarmente por querer é uma decisão consciente, e que, para a maior parte de nós, é posterior á aquilo que ele próprio se fez. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me; tudo isso não é mais do que a manifestação duma escolha mais original, mais espontânea do que o que se chama vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.”


Nesse sentido Sartre afirma que o homem não é apenas restritamente responsável pela sua individualidade, mas que é responsável por todos os homens. A subjetividade tem dois sentidos, por um lado quer dizer, escolha do sujeito individual; e por outro, é a impossibilidade de superar a subjetividade humana, e é esse segundo que é o sentido profundo do existencialismo. Quando diz-se que o homem escolhe a si próprio, nessa escolha também escolhe ele todos os homens. Com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos. Assim a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. Toda essa responsabilidade gera angústias, desespero, abandono, o homem é angústia a partir do momento que se descobre como Ser no mundo, responsável por si mesmo e ao mesmo tempo responsável por toda humanidade, já que se escolhendo escolhe para toda humanidade. Isso não significa que todo ser viva submerso em angústias, justamente porque acreditam que ao agirem só se implicam nisso a si próprios, e se justifica qualquer atitude na justificativa de que “nem todo mundo age assim”, uma atitude de má fé, quando o que está em jogo é justamente se todo mundo agisse assim. O fato de mentir de tal maneira implica que esse alguém não está à vontade com a sua própria consciência e o ato de mentir implica novamente num valor universal atribuído pela escolha. Mas quem me deu o direito de impor minhas concepções, meus valores a toda humanidade? Terei eu o direito de agir de tal modo que a humanidade se regula pelos meus atos? Isso é angústia, a responsabilidade não só por mim. Para Sartre a angústia não leva a inatividade, pelo contrário, essa angústia é a própria condição da ação, que se orienta pela pluralidade de possibilidades; e quando escolhem uma opção se dão conta de que ela só tem valor por ter sido escolhida. 

De acordo o pensamento de Dostoievski - “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”, -  o homem está abandonado, já que não encontra em si e nem fora si, uma possibilidade que se apegue. Estamos sós e sem desculpas, porém se nossa existência precede a essência, isso nos torna inteiramente responsáveis por nós mesmos e pela humanidade. O existencialista nunca irá utilizar um impulso, uma paixão como desculpa para justificar sua atitude, pensa-se que ele é responsável por sua paixão; e jamais pensará que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar; porque pensa se que o homem irá interpretar tal sinal como quiser. A doutrina existencialista afirma que só há realidade na ação, o oposto ao quietismo:


“O homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se realiza, não é, portanto, nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida.”


Assim sendo o homem só é na medida em que se realiza, na total responsabilidade de si mesmo, se é herói ou covarde, gênio ou medíocre, este é inteiramente responsável a medida que sua essência é posterior a existência. Se o indivíduo escolhe deixar-se ser levado, ser levado é uma escolha. Contrário aos críticos que afirmam que o existencialismo é uma doutrina pessimista, defende Sartre que é justamente o contrário, visto que o destino dos homens está em suas próprias mãos. 

O ponto de partida do existencialismo é subjetividade do indivíduo, justamente por ser uma doutrina baseada na verdade, porém realista, contrária a teorias utópicas, bonitas, baseada em esperanças, mas sem fundamentos reais. Não há outra verdade senão está: penso, logo existo; é aí que se atinge a si próprio a verdade absoluta da consciência. Toda teoria que considera o homem fora deste momento, não passa de uma teoria que suprime a verdade. E através do cogito, não descobrimos somente a nós próprios, mas descobrimos também aos outros. Só podemos nos descobrir em face do outro e o outro é tão certo para nós como nós mesmos; e assim descobrimos que o outro é a condição da nossa existência. Dá-se conta de que não pode ser nada, salvo se os outros o reconhecem como tal, ou seja, para obter uma verdade qualquer sobre mim é necessário que eu passe pelo outro. Nestas condições, afirma Sartre, que a descoberta da minha intimidade descobre-me ao mesmo tempo o outro como uma liberdade posta em face de mim, que nada pensa, e nada quer senão a favor ou contra mim. Isso é chamado de intersubjetividade, é neste mundo que o homem decide sobre o que ele é e o que são os outros.

O existencialismo é um humanismo, afirma Sartre, pelo simples fato de que o homem está constantemente fora de si mesmo, é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz existir o homem e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele pode existir. Não havendo outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade, existindo, o homem permite que o outro exista, uma co-dependência.  E é esta condição transcendente que estimula o homem e faz com que este não esteja fechado em si mesmo, mas presente sempre num universo humano, chamado de universo existencialista. Humanismo, porque não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si, mas voltando sempre para fora de si, vivendo o mundo dos meios, porém buscando fora de si um fim.


 Alan Teixeira

Referência bibliográfica:
O Exeistencialismo é um Humanismo - Jean Paul Satre, 1946.

sábado, 14 de agosto de 2010

Hypocrisis

Hipocrisia deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos significando a representação de um ator, atuação, fingimento (no sentido artístico). Não sou o primeiro a dar atenção a está comédia, diria Erasmo, ou esta tragédia, diria qualquer moralista. Mas distanciando-nos dos perigosos juízos de valor e arriscando-nos no fértil terreno para além do bem e do mal, na busca de uma compreensão maior da existência, não é difícil encontrar atores por onde quer que passemos... afinal o que são todas as convenções sociais senão pura hipocrisia, ou se preferir, para ser eufêmico, atuação, dissimulação? Coragem, vamos! Dissimular, enganar, fingir, atuar... afinal convenções são isso, seja educado, gentil, moral, porque só assim poderá desfrutar livremente dos beneficios da vida em sociedade. Dizer a verdade sempre equivaleria a declarar guerra a humanidade, guerra a si mesmo. Ao libertar e dar vida a todos os sentimentos, impulsos e pensamentos o mundo seria outra vez uma selva... quem está disposto a encarar esta realidade?  Seria insustentável esse individualismo, nem todos estão aptos a lidar com as verdades alheias, com o que pensam, o que sentem, o que desejam, em que muitas vezes encaram como ofensa. Chamo de boa fé essa hipocrisia que permite a estabilidade da vida social, porém não podemos ignorar a hipocrisia de má fé, que atua com fins muito além bom senso e do "politicamente correto', com fins totalmente tendenciosos, agindo de má fé, engando, trapaceando, manipulando pessoas para atingir seus fins, essa hypocrisis, muito pelo contrário da anterior, é a declaração de guerra a sociedade, guerra a toda estabilidade e harmonia que a sinceridade e boa fé permitem. Como nas questões de consciência a lei da maioria não vale, não é novidade que todo munto mente, não é sensato confiar na honestidade alheia, mas a hipocrisia de má  fé nunca resiste a uma boa observação, um deslize de um segundo, por mais insignificante que seja, pode colocar xeque todo o disfarce.

Alan Silva

(Imagem de Willian Ferreira)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Corpo e Alma

Eu sou corpo, por inteiro corpo e nada mais” 
( Friedrich Nietzsche)

Por muito tempo acreditou se que alma e corpo eram entes distintos, que alma era imortal, a senhora do corpo e que deveria buscar o Bem, diria Platão ou buscar Deus, diria tradição judaico-cristã... e por ultimo Descartes e toda sua geração de mecanicistas que acreditavam que o corpo nada mais era que uma máquina e nós apenas a mente - a alma - e o corpo  nada mais que um escravo das paixões, dos vícios e de todas as coisas mundanas. Mas se enganaram, sua metafísica está sob ruínas. Pensamos, logo existimos - é a lógica cartesiana, única maneira de obter consciência de si mesmo. O fato de termos consciência de nossa existência faz nos existir, do latin "ex-sistere", que quer dizer "estar em pé, fora de", e assim nos observamos como se estivéssemos fora do corpo, um ente à parte, eis a causa dos insensatos dualismos entre mente e corpo.  Somos ao mesmo tempo quem observa e quem é observado, somos quem manda e quem obedece e nesse paradoxo em meio ao absurdo existir, passamos por uma multiplicidade de sensações, percepções e nos confundimos, restando apenas a metafísica como explicação. Porém, hoje a luz do meio dia, podemos afirmar que a mente sem o corpo não existiria e o corpo sem a mente seria apenas uma máquina sem programa, porém um auto-programa e assim mente e corpo interagem e ambos são um só. Felizmente já se foi o tempo que alma desprezava o corpo, se julgando superior, o tempo da alma imortal... mas o jogo teve fim, a alma imortal está morta, assim como Deus e o mecanicismo não passou de uma breve quemeria, e o corpo foi ressucitado - eis o soberano!

sábado, 10 de julho de 2010

Porque escrevo tão pouco...

"Conclusão é o lugar onde se chega quando se cansa de pensar."
 (Peter Drucker)

Quanto mais penso, mais percebo que estou longe de chegar onde desejo. Como cair eternamente sem nunca chegar, sem nem mesmo saber se chegará. É certo que precisamos de um chão para poder caminhar, angustiante é viver sem ter onde se apoiar. Esse chão de certezas subjaz nosso Ser, quando ele cai caimos juntos. Para onde? Essa é a questão!  Ele cai porque apenas acreditamos, ingenuaente. acreditamos. Desaprendi o que mais difícil é - desaprendi a acreditar - hoje quero apenas saber... e tão pouco sei. Poderia escrever, ajuntar palavras, dissecar meu próprio espírito e alma, mas nada valeria, afinal "falar é recorrer a tautologias". Não aprecio monólogos, tenho pouco a aprender comigo mesmo, aprecio a interação, dialética, a arte de ouvir. Por isso muitas vezes recorro às pessoas vivas ou como de praxe, me refugio no mundo dos mortos, onde não polpei o meu próprio sangue para falar com alguns deles... mergulho no mundo inferior, sem passar pelo Letes, numa profunda orgia... e nesse incessante cair - aprendi a voar.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Cultura de Massas


            Cultura, de maneira geral, pode ser definida como todo o resultado advindo da produção humana, ou seja, da interpretação e criação, seja artística ou científica, com o fim de servir o homem de alguma forma. A cultura de massas é o conhecimento cultural dominante pela maioria da população de determinado grupo, ou seja, das massas, e de produção menos sistemática e mais heterogênea. 

            A cultura de massas possui caráter heterogêneo, isto é, predomina a grande diversidade cultural, com suas raízes na cultura popular, erudita, científica, etc. A cultura de massas surgiu como conseqüência do surgimento das tecnologias da informação e comunicação produzidas no século XX, como rádio, cinema, tv, Internet, etc. Essas tecnologias difundem grandes quantidades de informação, dos mais diversos círculos culturais, com grande abrangência. Umas das características marcantes da cultura de massa é a ausência de uma crítica apurada, o que leva muitas vezes a distorção, banalização e preconceito das demais culturas, como conseqüência de informações quantitativas e não qualitativas, que muitas vezes são difundidas com fins tendenciosos. 

            Portanto, é preciso ter prudência em relação a tudo quanto advém da cultura de massa e desenvolver uma crítica apurada para formar uma opinião segura e independente, livre de preconceitos, distorções e, por fim, para que não seja manipulado pelos detentores do monopólio das tecnologias da informação e comunicação.



 Alan Silva

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Fantasma na Máquina

Quando Vic Tandy ficou até tarde no trabalho uma noite mal sabia que estava a ponto de tropeçar em uma possível razão porque algumas pessoas vêem fantasmas. Sua ‘Teoria do Infrasom’ levou os membros da Society for Psychical Research a aconselhar os investigadores paranormais a estarem atentos aos efeitos elusivos que ondas sonoras de baixa freqüência podem trazer.

Por algum tempo Vic tinha ouvido estórias de fantasmas de outros colegas da empresa fabricante de equipamentos médicos onde trabalhava, mas sendo um engenheiro sensato, ele descartou as estórias e deixou as experiências do pessoal aos animais locais ou vários pedaços de equipamento zumbindo. Não até que decidiu ficar até tarde uma noite. Ele começou a perceber que talvez houvesse mais do que havia pensado original e racionalmente.
Enquanto trabalhava, Vic começou a sentir intranqüilo e teve o sentimento de que outra pessoa estava na fábrica com ele embora soubesse que estava sozinho. Então de repente viu uma aparição cinzenta aparecer à sua esquerda. O recinto parecia frio e ele teve um sentimento forte de estar sendo observado. "Não seria irracional sugerir que eu estava apavorado", disse depois. Ele finalmente juntou coragem o bastante para enfrentar a visão misteriosa, mas quando se virou a imagem desapareceu. 

Na manhã seguinte Vic trouxe uma chapa de esgrima ao trabalho, não para proteção mas para fazer um trabalho pequeno de conserto na manivela. Ele pôs a lâmina de lado e foi à procura de um pouco de óleo. Quando voltou notou que a chapa estava vibrando. Ele teve o mesmo senso de intranqüilidade que tinha experimentado na noite anterior mas agora quis saber se as vibrações na espada tinham qualquer coisa a ver com esta sensação inexplicada ou, se for assim, com os eventos da noite anterior. 

Vic tinha visto este efeito antes e lhe ocorreu que um som de baixa freqüência de uma máquina poderia estar fornecendo a energia para mover a chapa, um som tão grave que não era audível. Ele começou a experimentar e eventualmente conseguiu localizar a causa do problema em um exaustor. Seguindo testes adicionais Vic concluiu que o ventilador estava causando uma "onda estacionária de 19Hz" e decidiu pesquisar o que tal efeito causaria no corpo humano.

Ele consultou ‘Infra sound and Low-Frequency Vibration’ editado por W Tempest (Academic Press, Londres, 1976) e achou um par de estudos de caso interessantes. ‘Consultores de barulho foram solicitados a examinar um grupo de baías em uma fábrica onde os trabalhadores relataram sentir-se intranqüilos.
A baía tinha um ambiente opressivo que não estava presente nas áreas adjacentes embora o nível de barulho parecesse o mesmo. 

Os trabalhadores da administração e consultores estavam todos atentos da atmosfera incomum e em investigação descobriu-se que som de baixa freqüência estava presente a um nível ligeiramente mais alto que em outras baías, contudo a freqüência exata do barulho ofensor não era óbvia. 

A causa do barulho era um ventilador no sistema de ar condicionado. Os trabalhadores em um prédio universitário de radioquímica experimentaram o mesmo sentimento opressivo acompanhado de vertigem quando o ventilador em um armário de fumaça era ligado.

Isolantes de som convencionais tinham reduzido o som audível ao ponto onde quase não havia qualquer diferença no barulho do ventilador ligado ou não. A situação afetou algumas pessoas tanto que se recusaram a trabalhar no laboratório. Foi concluído que o componente de baixa freqüência do som era o responsável.
Vic Tandy concluiu que "O infra-som tem dois efeitos. Faz o globo ocular vibrar e assim borra sua visão e também causa sobre-respiração ou hiperventilação, que levam a sentimentos de medo e ansiedade. Você provavelmente precisa de um objeto ou um movimento pequeno na periferia de sua visão para começar o fenômeno, então o cérebro pode preencher os detalhes de seu subconsciente." 

Enquanto isso um Relatório Técnico da NASA (19770013810) menciona uma freqüência ressonante do olho humano de 18 Hz causando severo ‘borrão’ da visão. Outros documentos analisando o efeito do infra-som e vibração de baixa-freqüência sugerem que hiperventilação e outras condições respiratórias podem ser também ligadas ao fenômeno. 

As descobertas de Vic Tandy e seu associado Tony R Lawrence apareceram no Journal of the Society for Psychical Research e o artigo deles começa com o parágrafo seguinte: ‘Neste documento nós esboçamos uma causa natural ainda não documentada para alguns casos de assombração ostensiva. Usando a própria experiência do primeiro autor como um exemplo, nós mostramos como uma onda de ar estacionária de 19Hz pode sob certas condições criar fenômenos sensórios sugestivos de um fantasma. A mecânica e fisiologia deste efeito ‘fantasma na máquina’ são esboçadas. Pesquisadores de caso espontâneos são encorajados a excluir esta explicação natural potencial para experiência paranormal em casos futuros de assombração ou do tipo poltergeist’. 

Vic Tandy está atualmente pesquisando a possibilidade de que certas condições de tempo também possam causar infra-som, explicando assim algumas assombrações ao ar livre. Ele suspeita que camadas de ar em movimento poderiam causar ondas sonoras em situações como temporais mas no momento está procurando artigos acadêmicos sobre este fenômeno difíceis de encontrar.

***

Notas do editor CA: O título original do texto é ‘A Sound Theory?’. A imagem de capa foi retirada da página Fortean Slips (parascope), Spooky Acoustics. Os recursos adicionais abaixo foram adicionado pelo editor CA.

Fonte: http://www.ceticismoaberto.com/paranormal/2083/o-fantasma-na-mquina

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Homo Sapiens 1900 - Peter Cohen


Homo Sapiens 1900 é um documentário do sueco Peter Cohen, feito a partir de arquivos históricos, incluindo fotos e filmes, que discorre sobre a Eugenia e sua aplicação ideológica e científica no século XX.

O termo “eugenia” foi cunhado pelo inglês Francis Galton em 1883, que significa “bem nascido” e foi definida por ele como o “estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. Galton é fortemente influenciado pela obra A Origem das Espécies, do seu primo Charles Darwin. Galton propôs a “seleção artificial”, que seria o controle sobre as “forças cegas da natureza” da “seleção natural” para melhoramento da espécie humana conforme seus ideais. Tendo em vista que a concepção de homem da época o via em constante degeneração, longe dos ideais mentais e físicos cultivados pela intelectualidade e pelas artes plásticas, inclusive a antiga grega. Diz Peter Cohen:

“A imagem do homem revela o que o distingue dos outros seres: sua habilidade de observar a si próprio. É a sina do homem que ele não só se contenta com o que vê, mas se aborrece com suas próprias imperfeições físicas e mentais.” (...)

“Arte: o produto sublime da autocontemplação. A imagem clássica do homem em busca da beleza e harmonia, longe da impassível realidade. O desespero do homem em face da sua própria inadequação sua incapacidade de conviver com a imagem que ele próprio criou levam nos a essa impotência.”

 (Capela Sistina - Michelangelo)

A Eugenia obteve aceitação esmagadora dos cientistas da época, dividida em “Eugenia Positiva” e “Eugenia Negativa” e aceita pelas duas principais correntes de pensamento da época, Lamarckistas e Mendelistas. A “Eugenia Positiva” consistia na reprodução de casais seletivos, com as características ideais, na crença de que com a soma das características do casal se obteria ao longo das gerações a melhoria da raça. A “Eugenia Negativa” consistia no impedimento da reprodução de indivíduos considerados “não-aptos” ou “degenerados”, evitando assim o empobrecimento genético da raça como um todo. Os Lamarckistas acreditavam que as características adquiridas eram transmitidas para os descendentes alimentando a esperança de criar um “novo homem”. Os Mendelistas acreditavam que apenas as características herdadas eram transmitidas aos descendentes através da hereditariedade, que posteriormente foi comprovada.

Ao contrário do que se pensa a Eugenia é de origem inglesa e foi fortemente aceita pela maioria da Europa, URSS, EUA, e outros paises. Os Estados Unidos foram pioneiros na aplicação prática da Eugenia, sendo os criadores da Eugenia Negativa e o primeiro a criar leis proibindo a reprodução dos até então considerados “degenerados”. Em seguida Suécia adotou um sistema de lei similar, proibindo a reprodução de cerca de 8 mil pessoas consideradas “degeneradas” e foi na Alemanha Nazista que a Eugenia Negativa atingiu o ápice do horror na esterilização a força de 400 mil e eliminação de 100 mil alemães considerados inaptos, além do ódio aos judeus que levou ao genocídio da até então raça considerada inferior.

Enquanto isso diversos testes mentais são elaborados por cientistas na tentativa de medir a inteligência e diversas competições são feitas nos Estados Unidos e Suécia, premiando aqueles que se sobressaíssem.

No ano de 1927, o geneticista Alexander Serebrovski tentou impedir o avanço do Lamarckismo num artigo científico que descrevia a descoberta de Herman Muller que o Raio X causa mutações genéticas. De acordo Serebrovski essa descoberta demonstrava a falsidade da teoria Lamarckista. Porém Muller continua obcecado pela Eugenia e tenta dar continuidade as pesquisas a favor da Eugenia na URSS, que foi o pioneiro na proibição da Eugenia. O que seria o sonho do fascismo nazista, era o pesadelo da União Soviética e do comunismo. Muller se dirige diretamente a Stalin com a proposta de criação do “novo homem socialista”. Escreve Muller:

 “Caro camarada Stalin. Como um cientista confiante nos últimos triunfos bolchevistas em todas as esferas possíveis venho a você com um assunto de vital importância. Trata-se nada menos que o controle consciente da evolução biológica humana que é o controle do material hereditário, a base da vida”.

Muller condenava a doutrina da pureza racial nazista e afirmava que a eugenia só poderia ser produto do socialismo e acreditava que dentro de poucas gerações poderia se elevar a massa a condição de gênio. Porém para Stalin genética, eugenia e fascismo são considerados uma coisa só e é dada voz de prisão a Muller, que foge da URSS.

Em 1942 Estados Unidos estão em guerra com Alemanha e movimento eugênico entra em retração. Isso não por causa somente do genocídio nazista, mas por causa das descobertas da genética que mostram que Eugenia não tem validade cientifica. Em 1945 acaba a segunda guerra mundial com a derrota da Alemanha e do Eixo. Com isso surge a Organização das Nações Unidas e criação dos Direitos Humanos. A partir disso a eugenia perde força e são discutidas questões éticas de sua aplicação, sendo extinguida em todo o mundo.

Peter Cohen encerra o documentário com as seguintes palavras:

“Sob as ruas da cidade, os cemitérios da civilização. Os restos biológicos da hereditariedade. ‘Oh, essas novas ciências’ escreve Emile Zola há cem anos atrás.‘Essas novas ciências que ainda falam a linguagem das hipóteses e que ainda não se libertaram do poder da imaginação. Elas tem mais haver com os poetas do que com os cientistas. Que formidável afresco fica para não ser pintado que colossal comédia e tragédia humana não foi escrita! O material de que cada questão da hereditariedade nos dá parece infinito.’”

(...)“O homem criou uma civilização que o isola da natureza e o deixa em um conflito entre o progresso e a saudade do passado. A civilização é guiada pelo conceito do eterno progresso que pode sempre abrir novas portas.”



O documentário possui uma retórica impecável e apesar de ser um conteúdo um tanto “pesado” e dramático, sua estruturação é feita com argumentações intermitentes, seguida de uma suave música, permitindo assim que o espectador “respire” e possa digerir bem as informações. Porém na argumentação o autor ignora uma série de críticas de antropólogos como Alfred Kroeber, Franz Boas, Levi-Strauss que demonstraram a inexistência de raças e que a evolução humana é influenciada mais pela “seleção cultural” do que pela seleção natural.¹ Mesmo assim é um documentário excelente e imprescindível para melhor entendimento da história do século XX que foi marcado por diversos conflitos e escrita com sangue humano. É preciso conhecer o passado para entender o presente e para construir o futuro sem cometer os mesmos erros do passado.

"Quem não sabe prestar contas de três milênios
Permanece nas trevas ignorante,
E vive o dia que passa."
                 
                                (Goethe)

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Referencias Bibliográficas:

Homo Sapiens 1900 – Peter Cohen (1998).
Cultura: um conceito antropológico – Roque Laraia (1986).

Nota:
1 Cultura: um conceito antropológico – Roque Laraia (1986)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Hamlet - Shakespeare

Hamlet é considerada uma das obras primas de Shakespeare, imortalizada pelo seu caráter dramático e trágico e pela magnífica representação do "espírito do seu tempo". A peça se passa na Dinamarca, no século XVII. O enredo se trata dos conflitos em que o Príncipe Hamlet enfrenta com a  morte de seu pai, o Rei Hamlet, que posteriormente ele descobre que foi assassinado pelo seu tio, irmão do seu pai. O Rei aparece sob a forma de um fantásma e revela a verdade para Hamlet ,que a pedido do seu pai jura vingança ao seu tio, que além de assumir o trono desposou sua mãe, a Rainha. 

Muito além de apenas um peça dramática e trágica, Hamlet é a expressão mais profunda do "Zeitgeist", termo alemão que remete a "espírito do tempo", que revela muitas das angústias do seu tempo, do Renascimento. O "Renascimento" é transição da Idade Média para um novo tempo em que diversas mudanças antinômicas acontecem, como surgimento da idéia de liberdade, a subjetividade, a perda do poder do Clero e principalmente  que Deus deixa de ser o centro do mundo e de determinar o todo, e o homem passa a ser o centro do mundo e livre para se determinar. A crença em Deus não deixa de existir, mas Deus é enviado para o céu e na terra fica apenas o homem e seu livre-arbítrio.Se Deus não determina mais o devir e nem é o centro do mundo, isso passa a ser tarefa do homem, determinar a si mesmo e definir toda escala de valores - o Bem e o Mal. Toda essa liberdade gera angústias, dúvidas, incertezas. 

Na obra Hamlet fica evidente o conflito de valores, a angústia, dúvida e hesitação ao agir e o que fazer  - "Ser ou não Ser, eis a questão!". E também a inauguração dos monólogos, os diálogos consigo mesmo, o processo de interiorização e introspecção que não existia na idade média e passa a ser uma das características marcantes do Renascimento até a Modernidade nos dias de hoje.


Referencias bibliográficas:

Hamlet - Shakespeare
A Construção do Eu na Modernidade da Renascença ao século XIX - Pedro Luiz Ribeiro Santi


Alan Silva

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os Prisioneiros

Os prisioneiros – Uma manhã, os prisioneiros entraram no pátio onde trabalhavam; o guardião estava ausente. Alguns se puseram imediatamente a trabalhar, como era do seu feitio; outros nada fizeram, olhando desafiadoramente ao seu redor. Então um deles avançou e disse: “trabalhem o quanto quiserem ou não façam nada: não importa. Seus planos secretos vieram à luz, o guardião os espiou ultimamente e vai enunciar um tremendo juízo sobre vocês nos próximos dias. Vocês o conhecem, ele é duro e rancoroso. Mas prestem atenção: até agora vocês se enganaram a meu respeito; eu não sou o que pareço, mas muito mais: sou o filho do guardião e posso tudo com ele. Posso salvá-los, quero salvá-los; mas vejam bem, apenas aqueles entre vocês que acreditam que sou o filho do guardião; os demais colherão os frutos da sua descrença.” “Ora,” falou, após um instante de silêncio, um prisioneiro mais velho, “que diferença lhe faz se acreditamos ou não em você? Se é realmente o filho do guardião e consegue tudo o que diz, interceda por todos nós: seria uma grande bondade sua. Mas deixe de lado a conversa de crer ou não crê!r” “Além disso”, gritou um homem mais jovem, “eu não acredito nele: é somente uma coisa que ele pôs na cabeça. Aposto que em oito dias estaremos neste mesmo lugar, e o guardião não sabe nada.” “E, se sabia, não sabe mais”, disse o ultimo dos prisioneiros, que acabava de entrar no pátio; “o guardião morreu agora, de repente.” – “Olá!”, gritaram vários ao mesmo tempo, “olá! Senhor filho, como fica a herança? Será que somos agora seus prisioneiros?” – “Eu lhes disse”, replicou suavemente aquele que interpelavam, “vou libertar todos os que crêem em mim, tão certo como meu pai ainda vive.” – Os prisioneiros não riram, mas deram com os ombros e o deixaram ali parado.

(Nietzsche - O Andarilho e sua Sombra, aforismo 84)

quarta-feira, 31 de março de 2010

O Muro

"Quer fazer a diferença?
Construa uma parede.

Quer mudar o mundo?
Pinte sua parede de amarelo manga.

Quer ensinar o tom certo?
Escreva a teoria do amarelo manga na parede.

Quer que todos leiam?
Coloque a parede no meio da rua.

Quer transformar sua teoria em religião?
Fale mal da parede dos outros.

Quer ser considerado messias?
Diga que construiu a parede do nada.

Quer que todos acreditem nisto?
Esconda os tijolos com massa corrida.

Quer criar uma franquia?
Escreva o livro da construção da parede.

Quer ter muitos franqueados?
Diga que é pecado construir paredes diferentes.

Quer que os franqueados obedeçam?
Diga que do outro lado da parede é o inferno.

Quer se sentir poderoso?
Sente-se no topo da parede.

Quer fingir que é humilde?
Olhe para baixo.

Quer saber a verdade?
Olhe pra sua parede."

(Marcelo Ferrari)


segunda-feira, 29 de março de 2010

O Nascimento da Tragédia

O Nascimento da Tragédia,

ou Helenismo e Pessimismo



Esta é a primeira obra do fiilósofo mais polêmico da Pós-Modernidade, e talvez até, por que não, o mais polêmico da história. Filósofo que se autodenominou "o homem que nasceu póstumo", por ter sido incompreendido pelos seus contemporâneos. Obra de um então jovem professor de letras clássicas despertou polêmica pelo seu caráter pessoal e pela ousadia de sua abordagem: desafiava a concepção tradicional dos gregos como povo sereno e simples, e exaltava a ópera de Wagner como renovadora do espírito alemão, numa singular mistura de reconstrução histórica, intuição psicológica e militância estético-cultural. Nesta obra o filósofo oferece não só uma interpretação das tragédias gregas, mas da própria cultura grega e moderna, do nexo entre arte e conhecimento e da época moderna.


O autor começa por afirmar que o contínuo desenvolvimento da arte está diretamente ligado à duplicidade do apolíneo e dionisíaco. O apolíneo é relativo ao deus Apolo, apresentado como o deus do sonho, das formas, das regras, das medidas, dos limites individuais. O apolíneo é a aparência, a individualidade, o jogo das figuras bem delineadas; e o dionisíaco é apresentado como o gênio ou impulso do exagero, da fruição, da embriaguez extática, da libertação dos instintos. É o deus do vinho, da dança, da música e ao qual as representações de tragédias eram dedicadas.


O Mito trágico é uma representação simbólica ou imagética da sabedoria dionisíaca. O dionisíaco manifesta-se a si próprio por intermédio de processos apolíneos – estéticos, representação. Essas representações levavam o publico a uma espécie de horror e posteriormente os arrebatavam através do prazer que sentiam por meio dos fenômenos inconscientes de si mesmos representados nas peças.


A duplicidade destes impulsos resulta numa luta incessante e se intervem periódicas reconciliações. A arte apolínea é a arte do figurador plástico, da estética; e a não figurada da música é a dionisíaca. Segundo Nietzsche ambos os impulsos caminham juntos, na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamente a produções sempre novas. Contraposição que deu origem através do ato metafísico da vontade, gerando a tragédia ática. Segundo o autor estes dois impulsos básicos da criação da arte tem origem na embriaguez (dionisíaco) e nas representações oníricas (apolíneo). De um lado o conceito Uno-primordial - o impulso básico e primordial comum a todos o indivíduos, pelo qual se universaliza e imortaliza a arte (dionisíaco); e por outro o princípio-individual - impulso individual que diferencia o indivíduo da universalidade, o ato subjetivo.(apolíneo).

É feito uma analise da importância da arte para o povo grego, que devido a consciência das lástimas da existência tinha necessidade da arte para suportar a vida, onde o espectador via a si mesmo nas representações. Acontecia aí o fenômeno da purificação chamado por Aristóteles de catarse. Segundo Nietzsche “O nascimento da tragédia” se deu de maneira inconsciente, ora fruto da embriaguez, ora dos sonhos, que se imortalizou devido à necessidade da arte que é indelével a todos seres humanos quando conscientes das lástimas da existência, que também de maneira inconsciente se purificavam ao contemplá-las.


A morte da tragédia se deu graças a Sócrates com seu racionalismo. Sócrates percebeu que as pessoas não tinham um conhecimento seguro, sendo ele o único a admitir a si mesmo que nada sabia e por isso o Oráculo de Delfos o denominou o homem mais sábio. Sócrates percebeu também que as pessoas gostavam da tragédia, mas não a entendiam, apenas a sentiam. Sócrates acreditava que através da razão, e somente da razão, se poderia chegar ao conhecimento seguro e que somente aquilo que fosse inteligível seria digno, nobre.


Surgiu na contemporaneidade de Sócrates as comédias áticas de Eurípedes, onde o impulso criador passa a ser consciente e o crítico dessa nova espécie de arte passa a ser o inconsciente, que apesar de tornar as peças inteligíveis, a fez perder o seu caráter purificador, deixou de ocorrer a catarse, criando um vazio enorme entre os espectadores com a morte da tragédia.


Com Sócrates surgiu a ciência, o racionalismo, do qual buscava entender e explicar o mundo e o homem. Com o desenvolvimento da ciência e da filosofia, esse racionalismo radical levou o homem ao niilismo, a negação total e pessimista da vida, num estágio de conhecimento avançado, do qual a própria razão se torna insuficiente para explicar o todo, mas é capaz de negar qualquer verdade, restando apenas o niilismo passivo e negativo.


Para Nietzsche a música, do seu até então amigo, Richard Wagner era uma renovação do espírito da música, uma espécie de música que se imortalizaria assim como Beethoven e Mozart. Para ele a música e o mito trágico era de igual maneira a expressão dionisíaca, que seria capaz de justificar o pior dos mundos e tornar a vida possível, cobrindo a verdadeira essência da vida com um véu de beleza. Segundo ele a verdadeira essência da vida é lastimável e toda projeção futura, não passa de ilusão espraiada na busca dos prazeres ou na atenuação das feridas da existência, da qual só podemos afirmar a vida com as ilusões. Ele defendia a idéia de que se deveria buscar o renascimento da tragédia, de uma arte superior da qual poderíamos suportar vida, e assim religar a ciência e a filosofia à afirmação da vida terrena. Assim se manteria a ciência e a filosofia trilhando o caminho do conhecimento, da verdade, mas sem negar a vida. Concluindo que, para ele, temos a arte para não morrer com a verdade, onde a vida sem a música seria um erro.



Dados bibliográficos:

NIETZSCHE, Friedrich, O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo - 1872. Notas, Tradução e Posfácio, Jacó Guinsburg, 1992.1º reimpressão, Editora Schwarcz - Ltda.

Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900), formado em Filologia pela Universidade de Leipzig, escritor e crítico da filosofia.


(Resenha >> Alan Silva)