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sábado, 23 de outubro de 2010

Politeísmo


A maior utilidade do politeísmo - Que o indivíduo determinasse a si mesmo o seu ideal particular e dele originasse a sua lei, seus amigos e seus direitos, eis o que talvez fosse considerado um monstruoso engano humano e uma idolatria em si mesma; realmente, os raros que a ela se atreviam tinham sempre necessidade de fazer a sua apologia aos seus próprios olhos, e geralmente nestes termos: "Não fui eu! Não fui eu! Mas sim um deus que agiu por mim!". Foi a força maravilhosa, a arte espantosa de criar deuses, o politeísmo, que permitiu que esse instinto se descarregasse, se purificasse, se aperfeiçoasse, se enobrecesse: pois que isso era, a princípio, apenas uma tendência vulgar e pobre, parente do egoísmo, da desobediência e da inveja. Combater esse instinto do ideal pessoal foi antigamente a lei de toda moralidade. Só havia então um modelo: "o homem", e todos os povos julgavam possuir dele a amostra definitiva. Mas acima, e fora da pessoa, na distãncia de um mundo superior, tinha-se a permissão de ver uma pluralidade de normas; nenhum deus era a negação, a blasfêmia de um outro deus! E foi aí que se começou a permitir o aparecimento de indivíduos, a honrar-se um direito individual. A invenção dos deuses, de heróis e de super-homens de todas as espécies, assim como de homens sátiros, de demônios e de diabos, foi uma inestimável preparação à justificação do amor-próprio e da soberania do indivíduo: a liberdade concedida a um deus nas suas relações com os outros deuses, acabou por ser concedida a si mesmo, através das leis, dos costumes e dos vizinhos.


O monoteísmo, ao contrário, essa rígida consequência da doutrina de um só homem normal - desta vez, portanto, em um deus normal junto do qual não há senão falsos deuses - foi talvez até agora o maior prerigo da humanidade: ameaçou-a com a paragem prematura a que chegaram já, até onde pudemos julgar, a maior parte das outras espécies animais, convencidas como estão da existência de um só animal normal, de um só ideia da sua espécie, depois de terem feito entrar definitivamente a moralidade na sua carne. No politeísmo, encontra-se já uma primeira imagem do livre-pensamento, do polipensamento do homem: a força de se criar olhos novos e pessoais, cada vez mais novos e mais pessoais, de tal maneira que somente para o homem, entre todos os animais, não há horizontes nem perspecivas eternas. 


(Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência - 143)

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