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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Kabengele Munanga - Nosso racismo é um crime perfeito


Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?
Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida. (...)

Fórum - Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?
Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. (...)

Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?
Kabengele - É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. "Ah, é só mudar a escola pública." Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica. (...)

Fórum - O senhor toca na questão do imaginário da democracia racial, mas as pessoas são formadas para aceitarem esse mito...
Kabengele - O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la.
(...)
Quando você está diante do negro, dizem que tem que dizer que é moreno, porque se disser que é negro, ele vai se sentir ofendido. O que não quer dizer que ele não deve ser chamado de negro. Ele tem nome, tem identidade, mas quando se fala dele, pode dizer que é negro, não precisa branqueá-lo, torná-lo moreno. O brasileiro foi educado para se comportar assim, para não falar de corda na casa de enforcado. 

Revista Fórum – como o senhor vê o tratamento dado pela mídia à questão racial?
Houve, no mês passado, a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Silêncio completo da imprensa brasileira. Não houve matérias sobre isso. Os grandes jornais da imprensa escrita não pautaram isso. O silêncio faz parte do dispositivo do racismo brasileiro. Como disse Elie Wiesel, o carrasco mata sempre duas vezes. A segunda mata pelo silêncio. O silêncio é uma maneira de você matar a consciência de um povo. Porque se falar sobre isso abertamente, as pessoas vão buscar saber, se conscientizar, mas se ficar no silêncio a coisa morre por aí. Então acho que o silêncio da imprensa, no meu ponto de vista, passa por essa estratégia, é o não-dito.
Acabei de passar por uma experiência interessante. Saí da Conferência Nacional e fui para Barcelona, convidado por um grupo de brasileiros que pratica capoeira. Claro, receberam recursos do Ministério das Relações Exteriores, que pagou minha passagem e a estadia. Era uma reunião pequena de capoeiristas e fiz uma conferência sobre a cultura negra no Brasil. Saiu no El Pais, que é o jornal mais importante da Espanha, noticiou isso, uma coisa pequena. Uma conferência nacional deste tamanho aqui não se fala. É um contrassenso. O silêncio da imprensa não é um silêncio neutro, é um silêncio que indica uma certa orientação da questão racial. Tem que não dizer muita coisa e ficar calado. Amanhã não se fala mais, acabou.



quarta-feira, 1 de junho de 2011

Admirável Mundo Novo

Admirável Mundo Novo, publicado em 1932, por Aldous Huxley (1894 - 1963) é um romance de ficção científica em que a ciência cumpre a sua promessa de livrar o homem da dor e do sofrimento, da velhice e da 'morte'. 

Com uma mudança de costumes radicais, tudo o que antes era moral, sagrado e divino, passar a ser imoral, ignóbil e desprezível. A família deixa de existir, bem como as religiões e todos seus deuses. As pessoas tem sua origem num laboratório em que a reprodução da espécie é feita através replicação de embriões utilizando várias técnicas revolucionárias. A sociedade é organizada a partir do lema Comunidade, Identidade e Estabilidade, dividida em castas: Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ipsolons, respectivamente da superior (Alfas) para a mais inferior (Ipsolons) cada um desses com a classificação Mais-Mais, Mais e Menos, que seria definida de acordo o tipo de 'decantação'. 

Seu novo deus é o grande Ford, com direito a cerimônias "religiosas" do dia da Solidariedade. Sua felicidade estava garantida pelo soma, uma poderosa droga sedativa inofensiva ao organismo. "Todos são de todos", este era um dos condicionamentos para evitar a monogamia, a procriação natural, que era considerado a coisa mais repugnante. 

Para garantir a estabilidade, todos eram condicionados de acordo o Condicionamento Pavloviano e as técnicas hipnopédicas, a se comportarem de modo a colaborar com a manutenção desta sociedade, sem questionamentos: amar a sua casta, desprezar as inferiores, considerar a importância de todos, odiar a solidão, a arte, e toda forma de divertimento solitário, consumir o soma e consumir tudo... e a considerar a morte como algo natural, sem importância. 

O livro faz alusão a diversos pensadores, dentre eles Karl Marx, Freud, Bernard Shaw, John Watson, William James e principalmente Shakespeare... dentre outros.

O livro espelha o retrato da sociedade época, demasiado racionalista, se afundando no vazio da produção técnica e científica, que jamais supriu as necessidades existenciais modernas. Com a revolução industrial, o mundo se torna hedonista, os valores históricos e religiosos sucumbem diante da descomunal tarefa de saciar o espírito humano. O mundo passa então a ser, o que Heiddeger chamou de 'Mundo da Técnica', o homem passa a viver em prol dos meios e deixa de ter um fim, um objetivo, um sentido. A vida perde o sentido, cada ser se torna apenas uma célula no grande corpo social. Vale ressaltar que nessa época as idéias 'científicas' e ideológicas de Eugenia estavam no seu auge, o objetivo? - produzir o novo homem! Tudo que era doente, feio, diferente era considerado degeneração e devia ser eliminado, essa foi a proposta americana de Eugenia Negativa * que os Nazistas abraçaram. 

‘Oh, essas novas ciências’ escreve Emile Zola há cem anos atrás.‘Essas novas ciências que ainda falam a linguagem das hipóteses e que ainda não se libertaram do poder da imaginação. Elas tem mais haver com os poetas do que com os cientistas. Que formidável afresco fica para não ser pintado que colossal comédia e tragédia humana não foi escrita! O material de que cada questão da hereditariedade nos dá parece infinito.’”  
Embora tenha sido publicado a quase 80 anos, o livro é demasiado atual, continua refletindo o nosso Zeitgeist, nossa sociedade técnica, hedonista e desterrada de qualquer Fim. 
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sexta-feira, 20 de maio de 2011

O problema da filosofia

Jacey Yerka
O problema da filosofia é que nem sempre a realidade se apresenta conforme nossa percepção é lógica são capazes de entender, por isso estamos sempre dispostos a distorcer a realidade para justificar a nossa lógica e tapar os buracos da razão. Por isso se faz mais do que necessário a experimentação na produção de conhecimento. E ainda assim, segundo Thomas Kuhn, os mesmos métodos utilizados para produzir ciência, podem produzir mitos e ainda segundo Levi-Strauss, a lógica utilizada na produção de mitos das tribos mais isoladas é a mesma que produz ciência no mundo globalizado. 

Portanto, o 'problema da filosofia' é um problema epistemológico ainda sem solução. E quem, hoje em dia, ainda possui certezas?

domingo, 8 de maio de 2011

Ceticismo e Ética

Edvard Munch
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras."
 (Friedrich Nietzsche)

O ceticismo e a crítica racional, numa época de segregação de valores e incertezas, é imprescindível para nos manter distantes e, se preciso, combater doutrinas e ideologias que tem como fim apenas a alienação, exploração e defesa de interesses individuais, que podem levar a massacres, genocídios e demais atos irracionais que se repetiram ao longo da história da humanidade e ainda acontecem. Liberdade de pensamento nada tem a ver com o individualismo, mas sim uma preocupação com a ética e a segurança dos caminhos que tomamos ao longa da vida. 

Com uma vasta diversidade de crenças antagônicas, incompatíveis e injustificáveis racionalmente, que tem como objetivo guiar a ação do homem em sua existência, ser um criador de valores, com base numa ética utilitarista, que tem como fim a democracia e o respeito para com as diferenças é, ao meu ver, o único meio de escapar dos erros das doutrinas religiosas e ideológicas e ao mesmo tempo escapar da inatividade fruto desse confronto niilista incontornável e inextirpável, para um caminho mais seguro.


"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas." (Friedrich Nietzsche)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dialética Interior

Angel Estevez
Todo pensamento é acompanhado por um sentimento, este por sua vez é o produto das percepções individuais e este último é resultado do seu pensamento e sistema sensório. Temos aí uma dialética interior, que elimina qualquer possibilidade de causalidade, de um sistema linear, qualquer espécie de estruturalismo ou mecanicismo.   O indivíduo é fragmentado como um rizoma, diz Deleuze, ao contrário do que pensava Freud, não temos uma raiz central, no caso a sexualidade. Somos um todo e nada mais, o produto das contradições das relações interiores e exteriores. Somos ao mesmo tempo a nossa própria sensação e uma coisa externa, afinal nos percebemos como Seres separados de todo o resto. No universo exato e frio dos números a causalidade é perfeitamente possível, mas inviável quando se trata do Ser, que é apenas aquilo que faz com o mundo seja e ao mesmo se faz frente ao espelho do Outro e do Mundo. 

(Alan Silva)

sábado, 25 de dezembro de 2010

Ciência e Ceticismo

Norman Parker
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar podemos conseguir em outro lugar.

(Sigmund Freud)

 Ciência é a doutrina sistemática de obtenção de conhecimento e seu  motor é a dúvida. Sem dúvidas, não há perguntas, sem ceticismo qualquer inverdade se torna uma verdade, sem critérios, sem métodos, guiada apenas pela nossa ingenuidade. A verdade é um quebra cabeças, montá-lo é impossível. Impossível é apenas aquilo que ainda não conseguimos fazer. Algumas dessas peças podem ser confortantes, outras desoladoras.

Mitos são tomados por verdades, considerando apenas a sua utilidade prática de consolo existencial - um legítimo tapa buracos metafísico. Não considero que essa metafísica seja irreal, considero  apenas que não é seguro e incongoscível até mesmo para especular-mos, por isso a ciência concentra-se apenas no que é 'tangível' no universo humano. Quantas vezes já não nos agarramos a mais irracional das ilusões, das esperanças, para justificar qualquer fatalidade, para servir de consolo para qualquer desgraça e depois percebemos o engano? Se o conhecimento não for validado por um legítimo e rigoroso método científico, estaremos sempre fadados ao erro.

Por outro lado, a descrença, o ceticismo existe em abundancia. Não o ceticismo científico, o pior dos ceticismos - a descrença nos valores éticos, na utilidade prática da atitude e na ação em prol da ordem, do Cosmos. A descrença no que realmente tem uma utilidade prática para a ordem, para progresso, para o bem de todos. Esta sem dúvida é a pior das crenças, ou melhor, a descrença.

Se por uma lado não existe ciência sem dúvida,  por outro não existe mudança sem atitude. O ainda não descoberto é possível, considerando as possbilidades com segurança e responsabilidade. O ainda não construído é possível, o melhor dos mundos, só é preciso construí-lo, mas depende inteiramente de nós, apenas nós.

domingo, 28 de novembro de 2010

Citações fora de contexto

Edward Hopper
Freqüentemente encontramos por aí citações de importantes pensadores, citações polêmicas que fora de contexto podem tomar um significado totalmente deturpado. É um caso freqüente o filósofo genealogista Friedrich Nietzsche com sua vasta é difícil obra que exige muito mais do que uma simples leitura, mas como o próprio dizia é preciso aprender a arte de ruminar seus escritos para entende-los. Assim como ele, é todo filósofo, uso de linguagem técnica, na forma culta, metáforas e no caso do Nietzsche até a forma poética. 

A mulher foi o segundo erro de Deus. (Nietzsche)
A princípio parece uma preconceituosa frase sem sentido e sem fundamento, assim como a célebre "Deus está morto" (Vide O Impacto de Nietzsche no século XX e Nietzsche e Nazismo), que assim como a primeira é mal interpretada na maioria das vezes. Para se entender é preciso analisá-la em seu contexto que segue abaixo. É preciso tomar cuidado antes de citar qualquer pensador para não se comenter o equívoco de mal entende-lo, quando muitas vezes, esses velhos pensadores, querem dizer no contexto exatamente o contrário do que a frase isolada diz.

XLVIII

O velho Deus, todo “espírito”, todo grão−padre, todo perfeição, passeia pelo seu jardim: está entediado e tentando matar tempo. Contra o enfado até os Deuses lutam em vão(1). O que ele faz? Cria o homem – o homem é divertido... Mas então percebe que o homem também está entediado. A piedade de Deus para a única forma da aflição presente em todos os paraísos desconhece limites: então em seguida criou outros animais. Primeiro erro de Deus: para o homem esses animais não representavam diversão – ele buscava dominá−los; não queria ser um “animal”. – Então Deus criou a mulher. Com isso erradicou enfado – e muitas outras coisas também! A mulher foi o segundo erro de Deus. (o grifo é meu) – “A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento. – Que sucedeu? O velho Deus foi acometido por um pavor mortal. O próprio homem havia sido seu maior erro; criou para si um rival; a ciência torna os homens divinos – tudo se arruína para padres e deuses quando o homem torna−se científico! – Moral: a ciência é proibida per se; somente ela é proibida. A ciência é o primeiro dos pecados, o germe de todos os pecados, o pecado original. Toda a moral é apenas isto: “Tu não conhecerás” – o resto deduz−se disso. – O pavor de Deus, entretanto, não o impediu de ser astuto. Como se proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta: expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar. – Então o “padre” inventa a angústia, a morte, os perigos mortais do parto, toda a espécie de misérias, a decrepitude e, acima de tudo, a enfermidade – nada senão armas para alimentar a guerra contra a ciência! Os problemas não permitem que o homem pense... Apesar disso – que terrível! – o edifício do conhecimento começa a elevar−se, invadindo os céus, obscurecendo os Deuses – que fazer? – O velho Deus inventa a guerra; separa os povos; faz com que se destruam uns aos outros (– os padres sempre necessitaram de guerras...). Guerra – entre outras coisas, um grande estorvo à ciência! – Inacreditável! O conhecimento, a emancipação do domínio sacerdotal prosperam apesar da guerra! – Então o velho Deus chega à sua resolução final: “O homem tornou−se científico – não existe outra solução: ele precisa ser afogado”...

1 – Paráfrase de Schiller, “Contra a estupidez até os Deuses lutam em vão”. (H. L. Mencken)

(Friedrich Nietzsche, O Anticristo, XLVIII)

domingo, 21 de novembro de 2010

Globalização

Willian Ferreira
Com o neo-liberalismo econômico pós Guerra Fria, se entregou ao poder econômico as rédeas das nações, o mundo se unificou, se interligou, se globalizou e fronteiras e culturas estão por desaparecer. O que antes era domínio do estado passou a ser a  privado: saúde, educação, saneamento básico... só restou segurança e coerção. O produto e o capital que antes era material, agora não tem cheiro não tem cor, é informação. Informação teleguiada, 24 horas, um disparo, um botão, mundo virtual em nenhuma mão. Empresas sem sede e sem nação, trabalho em casa para o patrão, é tudo virtual, folha de pagamento e cartão de ponto. E chegará o dia, não daquela utopia de Marx do desenvolvimento máximo, mas o dia que será privatizado todo o estado e então teleguiados por fibras ópticas na tela do computador, sem sair de casa, sem contato humano, sem calor... seremos também apenas máquinas, porque perdemos o controle. 

sábado, 13 de novembro de 2010

Auto Engano

"... o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entando, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer."
(Jean Paul Sartre)

O homem, quando diante de uma escolha difícil e desfavorável, com freqüência se refugia no auto-engano, fenômeno chamado por Sartre de má fé. O homem quando atormentado pela angústia de que é livre e que somente ele, sem auxílio algum, deve decidir por si mesmo, geralmente este recorre a duas opções. Na primeira delas se atribui a responsabilidade de sua ação à fatalidade de um destino. Na segunda este finge não escolher, se auto-engana ou segue uma moral pré-estabelecida, se torna adepto de algum dogma religioso, moral ou ideológico optando por seguir em vez criar-se a si próprio. Um bom exemplo disso é o indivíduo que numa eleição se abstém de votar ou vota nulo, alegando que não participará do processo democrático para não ser conivente com a escolha de um representante ruim, quando nenhuma das escolhas lhe é favorável. Ele alega que não escolher é também uma escolha. Porém ele está apenas se auto-enganando, acreditando que não escolhendo estará isento de responsabilidade no devir. O indivíduo que assim pensa, age desta forma somente para se livrar da angústia da escolha, da responsabilidade que implica assumir riscos quando não há alternativas favoráveis nem fáceis. Então ele prefere se acovardar assim como aquele que prefere morrer do que ir pra guerra. Viver implica em escolher, assumir riscos, responsabilidades e ser agente do próprio destino. Quem não escolhe a si próprio diretamente, escolhe a si próprio indiretamente como um acidente de percurso.

"A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites uma dentro da outra."
(Albert Camus)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Destinados a incompreensão

Edward Hopper


Não acredito que alguém possa me compreender. Para isso ser possível deveria supor que esse alguém pudesse me conhecer, pensar e sentir como eu. Mas eu sozinho já sou gente demais. Não sou numa única direção, não sou inteiramente livre para isso. Mas, se pelo contrário, sou em multi direções, quem pode estar em todas elas a não ser eu mesmo? O juízo do outro sobre mim estilhaça-me por completo. Seu entendimento não é sobre mim, mas apenas de um fragmento, ou sou por inteiro ou não sou. Se sou apenas o agora, o entendimento do outro está sempre desatualizado. Se não nos mostramos por completo, não em razão das máscaras sociais, mas em função de nossa própria limitação, qualquer juízo será apenas um sintoma. Ainda assim, se sou daqueles que se distanciam irremediavelmente da superfície para o profundo, para o abismo e não encontre dentre os vivos, alguém a quem me sinta próximo, que esperar daqueles que jamais sairam da superfície? Nada além de que estamos destinados a incompreensão.