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quarta-feira, 24 de março de 2010

O Fanático da Desconfiança e sua Garantia

O Antigo: Queres tentar o impossível ensinando aos homens? Onde está sua garantia?

Pirro: Aqui está: quero pôr os homens de sobreaviso contra mim, quero confessar publicamente todos os defeitos de minha natureza e revelar aos olhos de todos meus envolvimentos, minhas contradições e minhas tolices. Não me escutem, lhes direi, antes que não me tenha tornado semelhante ao menor dentre vocês e até menor que ele; revoltem-se contra a verdade quanto puderem, por causa do desgosto que lhes causa seu defensor. Serei seu sedutor e seu impostor e ainda encontrarão em mim o menor brilho de consideração e dignidade.

O Antigo: Prometes demais, não consegue suportar esse fardo.

Pirro: Vou dizer também aos homens que sou muito fraco e que não posso manter o que prometi. Quanto maior for minha indignidade, tanto mais o vão desconfiar da verdade que sair da minha boca.

O Antigo: Queres, portanto, ensinar a desconfiança da verdade?

Pirro: Uma desconfiança tal que jamais existiu igual no mundo, a desconfiança a respeito de tudo e de todos. É o único caminho que leva à verdade. O olho direito não deve confiar no olho esquerdo e será necessário que, durante algum tempo, a luz se chame escuridão: é o caminho que se deve seguir. Não crês que te levará a árvores frutíferas e à sombra de salgueiros admiráveis? Encontrarás nesse caminho pequenas sementes duras – são as verdades; durante anos, deverás engolir mentiras em quantidade para não morrer de fome, embora saibas que é mentira. Mas essas pequenas sementes serão semeadas e enterradas no solo e talvez a colheita vai ocorrer um dia: ninguém tem o direito de prometê-la, a menos que seja fanático.

O Antigo: Amigo, amigo! Tuas palavras, elas próprias, são palavras de um fanático!

Pirro: Tens razão! Quero ser desconfiado a respeito de todas as palavras.

O Antigo: Então deves ficar calado.

Pirro: Vou dizer aos homens que devo ficar calado e que eles devem desconfiar do meu silêncio.

O Antigo: Renuncias, pois, a teu projeto?

Pirro: Pelo contrário – acabas de me indicar a porta por onde devo entrar.

O Antigo: Não sei realmente se ainda nos compreendemos perfeitamente.

Pirro: Provavelmente não.

O Antigo: Contanto que tu te compreendas bem a ti mesmo!

Pirro se volta rindo.

O Antigo: Ai! meu amigo! Calar-se e rir – será essa agora toda a tua filosofia?

Pirro: Não seria a pior.

(Nietzsche - O Viajante e sua Sombra)


Nota do tradutor:

Segundo uma nota do tradutor R. J. Hollingdale, esta conversa entre "Pirro" e "o velho" é calcada no diálogo Piton, escrito por Timão de Flionte, discípulo do fundador do cetismo filosófico, Pirro de Élis ( c. 365 -260 a.c)

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