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quarta-feira, 24 de março de 2010

Das virtudes

“São boas as virtudes de um homem não por causa dos resultados que podem ter para eles, mas em função dos resultados que podem ter para nós e a sociedade... Quando se possui uma virtude, uma autêntica e plena virtude, então se torna vítima dessa virtude. E é exatamente por isso que o vizinho a louva.”

(...)“O próximo louva o desinteresse porque é dele que tira vantagens! Se o próximo pensasse também de maneira “desinteressada” não haveria de querer essa diminuição de força, esse prejuízo de que tira o seu lucro! Trabalharia contra o nascimento dessas inclinações!” (...).

(Nietzsche, Gaia Ciencia - 21)

O Fanático da Desconfiança e sua Garantia

O Antigo: Queres tentar o impossível ensinando aos homens? Onde está sua garantia?

Pirro: Aqui está: quero pôr os homens de sobreaviso contra mim, quero confessar publicamente todos os defeitos de minha natureza e revelar aos olhos de todos meus envolvimentos, minhas contradições e minhas tolices. Não me escutem, lhes direi, antes que não me tenha tornado semelhante ao menor dentre vocês e até menor que ele; revoltem-se contra a verdade quanto puderem, por causa do desgosto que lhes causa seu defensor. Serei seu sedutor e seu impostor e ainda encontrarão em mim o menor brilho de consideração e dignidade.

O Antigo: Prometes demais, não consegue suportar esse fardo.

Pirro: Vou dizer também aos homens que sou muito fraco e que não posso manter o que prometi. Quanto maior for minha indignidade, tanto mais o vão desconfiar da verdade que sair da minha boca.

O Antigo: Queres, portanto, ensinar a desconfiança da verdade?

Pirro: Uma desconfiança tal que jamais existiu igual no mundo, a desconfiança a respeito de tudo e de todos. É o único caminho que leva à verdade. O olho direito não deve confiar no olho esquerdo e será necessário que, durante algum tempo, a luz se chame escuridão: é o caminho que se deve seguir. Não crês que te levará a árvores frutíferas e à sombra de salgueiros admiráveis? Encontrarás nesse caminho pequenas sementes duras – são as verdades; durante anos, deverás engolir mentiras em quantidade para não morrer de fome, embora saibas que é mentira. Mas essas pequenas sementes serão semeadas e enterradas no solo e talvez a colheita vai ocorrer um dia: ninguém tem o direito de prometê-la, a menos que seja fanático.

O Antigo: Amigo, amigo! Tuas palavras, elas próprias, são palavras de um fanático!

Pirro: Tens razão! Quero ser desconfiado a respeito de todas as palavras.

O Antigo: Então deves ficar calado.

Pirro: Vou dizer aos homens que devo ficar calado e que eles devem desconfiar do meu silêncio.

O Antigo: Renuncias, pois, a teu projeto?

Pirro: Pelo contrário – acabas de me indicar a porta por onde devo entrar.

O Antigo: Não sei realmente se ainda nos compreendemos perfeitamente.

Pirro: Provavelmente não.

O Antigo: Contanto que tu te compreendas bem a ti mesmo!

Pirro se volta rindo.

O Antigo: Ai! meu amigo! Calar-se e rir – será essa agora toda a tua filosofia?

Pirro: Não seria a pior.

(Nietzsche - O Viajante e sua Sombra)


Nota do tradutor:

Segundo uma nota do tradutor R. J. Hollingdale, esta conversa entre "Pirro" e "o velho" é calcada no diálogo Piton, escrito por Timão de Flionte, discípulo do fundador do cetismo filosófico, Pirro de Élis ( c. 365 -260 a.c)

domingo, 14 de março de 2010

Ética e Existência

Durante toda sua existência o homem se deparou com diversas problemáticas, algumas delas insolúveis até os dias atuais. Uma delas é a questão da ética e moral: em que se fundamentar um código de conduta ético e moral?

Na maioria das culturas os códigos éticos e morais são determinados por entidades transcedentes, geralmente deuses. Eles determinam o "bem e o mal" e resta ao homem como ser inferior e submisso segui-lo para sua salvação. Em algumas culturas há o chamado - determinismo. Uma força metafísica pre-determina todas as ações do homem.

Atualmente com a morte de Deus e dos deuses, surgiu a grande problemática: em que se fundamentar a moral? Como fazer uso da liberdade?

No mundo ocidental essa problemática surgiu no Renascimento, onde o homem passou a ser livre e responsável por si mesmo. Temos grandes exemplos do pensamento da época, como por exemplo Maquiável em seu "O Princípe". Nesta obra ele defende o egoísmo e individualismo, onde o "Eu" é soberano e que os fins justificam os meios na busca pela ordem. Temos Erasmo de Roterdam com sua obra "Elogio da Loucura" onde mostra com clareza a hipocrisia do homem civilizado e sua loucura disfarçada sob o véu dos bons costumes e na critica do racionalismo exacerbado. Não poderia esquecer do nosso "cavaleiro andante" o famoso Dom Quixote, que se espelha em outros para a construção de si próprio. Por fim temos Thomas More com sua obra "Utopia" em que idealiza a instituição perfeita para a vida em sociedade, baseada nos escritos platônicos de A Rupublica.

Temos aí exemplos, apesar de antigos, demasiado atuais. A crise de "humanidade", de "consciência" e crise de identidade, onde homem não sabe como se construir.

Outros mostraram como é egoísta e anti-democrática a natureza humana, como Hobbes e por fim o niilismo de François Sade, que percebe que não há meios onde se possa fundamentar uma moral universal. Houve Kant com seu "imperativo categórico": a sua maneira de agir deve ser a maneira de como gostaria que se tornasse lei universal. Porém o caráter subjetivo e imperativo a refuta. E por ultimo o "Genealogista" com seu martelo filosófico, Nietzsche, que viaja até os primordios da moral para descobrir sua origem, e percebe que este é um problema insoluvel, pois o homem está "Para além do Bem e do Mal" questionando qualquer metafísica e transcendencia, do qual se denomina amoral.

Com a morte dos deuses e da moral, quem nos guiará ao melhor caminho? Encerro a este encontro com uma bela citação do Nietzsche e quem sabe o que teremos para o próximo encontro?!

"... Mas de quando em quando - se admitirmos que existem benfeitores celestes além do Bem e do Mal - concedei-me, oh deuses, um olhar com que eu possa achar um ser absolutamente completo, feliz, poderoso, triunfante, no que ainda há algo a temer. Um homem que justifique o bem! Conceidei-me que ache uma felicidade que complete e salve o homem pelo qual se possa manter a fé no próprio homem... A má sorte da Europa com o medo ante o homem fez-nos perder também o amor que lhe devotávamos, a veneração que lhe tínhamos e a esperança que lhe consagrávamos. O aspecto do homem fatiga nos."

(Friedrich Nietzsche - A Genealogia da Moral)


Texto >> Alan Silva

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Nietzsche e o Nazismo

Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900) foi um influente filósofo alemão do século XIX.Atualmente é um dos filósofos mais lidos e populares. Sua filosofia se baseia principalmente no estudo da moral, na critica das religiões e doutrinas de "negação da vida" e crítica dos humanistas e iluministas, que no abuso da razão, insistiam na transcendencia de valores e crenças metafísicas.

Nietzsche juntamente com Freud e Marx foram os filósofos mais controversos da história moderna, que marcaram a divisão do período moderno (até a primeira metade do século XIX) e contemporâneo (a partir da segunda metade do século (XIX).


É comum não simpatizantes e leigos em sua filosofia associarem Nietzsche ao anti-semitismo (nazismo). Como bem disse, opinião apenas de não simpatizantes e de leigos que tendenciosamente fazem tal associação. Deixemos que o próprio filósofo em questão, Nietzsche, se defenda de tais acusações.


"(...) Não, não amamos a humanidade; mas, por outro lado, somos muito pouquíssimos “alemães”, no sentido que a palavra tomou nos nossos dias, para poder falar em favor do nacionalismo e do ódio das raças, para nos regozijarmos com esta lepra do coração, com este envenenamento do sangue, que faz com que os povos da Europa se isolem, criem barricadas, se ponham de quarentena. Somos muito imparciais para isso, maus espíritos e delicados, estamos muitíssimo bem informados e viajamos muito: (...) " (A Gaia Ciência, aforismo 377)


“O que a Europa deve aos judeus? Muitas coisas, boas e más, e antes de mais nada ma
coisa que tem do melhor e pior para dar: o estilo grandioso da moral, o terrível e a majestade de postulados imensos, de infinitos significados, todo o romantismo e o sublime dos problemas morais — e conseqüentemente a parte, mais interessante, embaraçosa e procurada pelo caleidoscópio de seduções da vida, que ilumina com seus últimos clarões a céu, o pôr-do-sol, talvez, de nossa civilização européia. Nós artistas entre os espectadores e os filósofos nos sentimos reconhecidos por isso — aos judeus.”. (Para Além do Bem e do Mal, aforismo 250.)


“(..)se tem, em resumo, qualquer acesso de imbecilidade; assim, por exemplo, os alemães da atualidade cultivaram a demência anti-francesa, outras, a anti-semita, a anti-polaca, a romântico-cristã, a wagneriana, a teutônica, a prussiana (..)Mas os judeus são incontestavelmente a raça mais vigorosa, mais tenaz e mais genuína que vive na Europa, sabem caminhar nas piores condições (e talvez muito melhor que em condições favoráveis) e isto quanto a tais virtudes (..)seria adequado afastar, de todos os países, os agitadores antisemitas. (..) (“Idem, aforismo 251)


"Não faltam abortos de qualquer gênero, nem mesmo os anti-semitas. Pobre Wagner! Até onde chegara! Fosse dar pelo menos em meio de suínos! Mas... Entre alemães!..." (Ecce Homo)


Quanto Elisabeth - a irmã de Nietzsche - ele deixou claro enquanto lúcido seu desprezo pelos anti-semitas, inclusive seu ex-amigo Wagner e sua irmã que se casou com um anti-semita.



"Em uma carta à irmã, no Natal de 1887, Nietzsche é enfático, dizendo que sua irmã cometeu uma grande estupidez (para ambos) associando-se aos anti-semitas do Partido Nacionalista Alemão, que, mais tarde em 1920, viria a tornar-se o Partido Nazista Alemão (Ultranacionalista). Disse ainda que era uma questão de honra para ele ser o mais claro possível quanto à sua posição em relação ao anti-semitismo, a saber, que ele era nomeadamente contra e que considerava isso uma estupidez, e mais, que sentia nojo de tal Partido. Segundo ele, devido à atitude dela, casando-se com um anti-semita, ele vinha sendo confundido frequentemente, recebendo cartas de apoio de anti-semitas. Dizia Nietzsche que os anti-semitas estavam utilizando-se do nome dele para se promoverem." (O Julgamento de Nietzsche - Alexandre Anello)



"Nada quero com «crentes», penso que sou demasiado malicioso para acreditar em mim mesmo; nunca falo às massas... Sinto uma angústia aterradora de que, um dia, me venham a canonizar; adivinhar-se-á porque é que antes publico este livro; ele impedirá que comigo se cometam patifarias... Não quero ser santo algum, prefiro antes ser um arlequim... Sou porventura um arlequim... E apesar disso ou, antes, não apesar disso – pois, até hoje, nada houve de mais mentiroso do que um santo – a verdade fala por meu intermédio. " (Ecco Homo, "Porque sou um destino")


Seja qual for a complexidade de Nietzsche, o leitor advinha facilmente em que categoria (ou seja, em que tipo) ele teria classificado a raça dos “mestres” concebida pelos nazistas. É somente quando o niilismo triunfa que a vontade de potência deixa de querer dizer “criar” e passa a significar: querer a potência, desejar o domínio (e portanto atribuir-se ou fazer-se atribuir os valores estabelecidos, dinheiro, honras, poder…). Ora, essa vontade de potência é precisamente a do escravo, é a maneira pela qual o escravo ou o impotente concebe a potência, a idéia que ele tem dela, e que ele aplica quando triunfa. Um doente pode muito bem dizer: “ah, se eu estivesse bem de saúde, eu faria isto” – e talvez ele o fizesse – mas seus projetos e concepções são ainda os de um doente, nada mais do que os de um doente. É a mesma coisa com o escravo e sua concepção da maestria ou da potência. É a mesma coisa com o homem reativo e sua concepção de ação. Por toda parte, a reversão dos valores e das avaliações, por toda parte as coisas vistas pelo seu lado pequeno, as imagens revertidas como no olho de boi. Uma das maiores frases de Nietzsche é esta: “É preciso sempre defender os fortes contra os fracos.” (Nietzsche, p0r Gilles Deleuze: Paris, PUF, 1965 (13ª edição, 2006), pp. 17-27. )


"É preciso afastar, em relação a pensadores como Nietzsche, o conceito de guerra – propagandístico ou ingênuo -, que o encara como uma espécie de Rosenberg mais fino e procura ver no seu pensamento o precursor do nazismo. Este antipangermanista convicto deve ser considerado o que realmente é: um dos maiores inspiradores do mundo moderno, cuja lição longe de exaurida, pode servir de guia a muitos problemas do humanismo contemporâneo. (...) devemos reter e ponderar a sua técnica de pensamento, como propedêutica à superação das condições individuais. “O homem é um ente que deve ser ultrapassado” – disse ele... (...) (Mello e Souza, Antônio Cândido. Nietzsche – Coleção “Os pensadores”. Editora Abril. Prefácio.)"


De acordo aos trechos citados de biografos e principalemente de suas obras mais importantes como Para Além do Bem e do Mal, Ecce Homo e Gaia Ciência, não há sequer uma declaração anti-semita e muito pelo contrário, Nietzsche não tinha escrúpulos a falar sobre a Alemanha e a "cultura alemã", além de fazer diversos elogios aos judeus. E que ninguém mais se atreva a fazer tais acusações a este nobre pensador, do qual o pensamento continua vivo e não terá talvez se imortaizado?


Alan Silva

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os Donos da Verdade

O Beneficio da Duvida

Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo.

Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, armase um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um “führer”.

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem – desta vez não do bem espiritual, mas do bem social – que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer
e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

Não é fácil crer fervorosamente numa religião e, ao mesmo tempo, ser tolerante com as demais. As circunstâncias históricas e sociais podem possibilitar o convívio entre pessoas de crenças diferentes, mas, numa situação como do Oriente Médio hoje, é difícil manter esse equilíbrio. Ali, para grande parte da população, o conflito político e militar ganhou o aspecto de uma guerra religiosa e, assim, para eles, o seu inimigo é também inimigo de seu Deus e a sua luta contra ele, sagrada.

Não é justo dizer que todos pensam assim, mas essa visão inabalável pode ser facilmente manipulada com objetivos políticos. Isso ajuda a entender por que algumas caricaturas – publicadas inicialmente num jornal dinamarquês e republicadas em outros jornais europeus – provocaram a fúria de milhares de muçulmanos que chegaram a pedir a cabeça do caricaturista. Se da parte dos manifestantes houve uma reação
exagerada – que não aceita desculpas e toma a irreflexão de alguns jornalistas como a hostilidade de povos e governos europeus contra o islã–, da parte dos jornais e do caricaturista houve certa imprudência, tomada como insulto à crença de milhões de pessoas.

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.

Autor: Ferreira Gullar
Fonte: Folha de S. Paulo (edição impressa)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eterno Retorno

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

( Aforismo 341 do "A Gaia Ciência" - Friedrich Nietzsche)
 
Uma maneira poética e alegorica de ver a vida.

domingo, 4 de outubro de 2009

Filosofar

"Assim, pois, os filósofos são piores que os fariseus, sobre os quais lemos que impõem pesados fardos, sem eles mesmos erguerem um dedo para levantá-los. Pois isto é o mesmo, pouco importa que não os levantem, desde que possam ser levantados. Mas os filósofos exigem o impossível. E quando há um jove que acredita que filosofar não é conversar ou escrever, mas realizar com exatidão o que os filósofos dizem que se deve realizar, estes o fazem desperdiçar vários anos de sua vida, e então se mostra que aquilo era impossível, e então ele se deixou agarrar tão profundamente que talvez sua salvação seja impossível." (Kierkegaard)

"Não se aprender filosofia, se aprende a filosofar." (Kant)

"Filosofar é passear com um saco e, ao encontrar alguma coisa que sirva, pegar. " (G. Deleuze)

"A filosofia implica uma mobilidade livre no pensamento, é um ato criador que dissolve as ideologias" (Heidegger) 
  
"Filosofar é aprender a usar a nossa mente a nosso favor, para que outros não a usem para nos manipular." (Eu)

Sintetizando estes breves aforismas teremos uma ideia melhor do que é filosofar. Já que não se aprende filosofia, aliás toda filosofia existente é apenas a opinião subjetiva de cada filósofo, muitas vezes apenas seus preconceitos. Aprender a filosofar é, digamos, tomar conhecimento das idéias filosóficas existentes, as compreender e passa-las pelo seu filtro da critica, as questionar aproveitando ou destruindo tal ideia. Filosofar seria também fazer uma análise profunda sobre todas as questões que envolvem a existência humana, que são frequentemente ignoradas pela maioria das pessoas. Uma análise com objetivo de compreender teoricamente para aplicação na vida prática. É também abandonar todos os conceitos populares, os paradgmas e preconceitos na busca de suas próprias respostas, numa reflexão profunda avaliar todos os conceitos e formular sua própria moral, ou se preferir ser amoral. Filosofar é também aprender a viver, a ser dono de si mesmo, aprender a se construir, a ser um livre pensador, autonomia intelectual. E por fim filosofar é aprender a pensar a o pensar, a desenvolver ideias, e compreender ideais que são mais profundas do que parece, e aprender a aproveitar ideias de outros e não se prender somente a si mesmo.