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domingo, 28 de novembro de 2010

Citações fora de contexto

Edward Hopper
Freqüentemente encontramos por aí citações de importantes pensadores, citações polêmicas que fora de contexto podem tomar um significado totalmente deturpado. É um caso freqüente o filósofo genealogista Friedrich Nietzsche com sua vasta é difícil obra que exige muito mais do que uma simples leitura, mas como o próprio dizia é preciso aprender a arte de ruminar seus escritos para entende-los. Assim como ele, é todo filósofo, uso de linguagem técnica, na forma culta, metáforas e no caso do Nietzsche até a forma poética. 

A mulher foi o segundo erro de Deus. (Nietzsche)
A princípio parece uma preconceituosa frase sem sentido e sem fundamento, assim como a célebre "Deus está morto" (Vide O Impacto de Nietzsche no século XX e Nietzsche e Nazismo), que assim como a primeira é mal interpretada na maioria das vezes. Para se entender é preciso analisá-la em seu contexto que segue abaixo. É preciso tomar cuidado antes de citar qualquer pensador para não se comenter o equívoco de mal entende-lo, quando muitas vezes, esses velhos pensadores, querem dizer no contexto exatamente o contrário do que a frase isolada diz.

XLVIII

O velho Deus, todo “espírito”, todo grão−padre, todo perfeição, passeia pelo seu jardim: está entediado e tentando matar tempo. Contra o enfado até os Deuses lutam em vão(1). O que ele faz? Cria o homem – o homem é divertido... Mas então percebe que o homem também está entediado. A piedade de Deus para a única forma da aflição presente em todos os paraísos desconhece limites: então em seguida criou outros animais. Primeiro erro de Deus: para o homem esses animais não representavam diversão – ele buscava dominá−los; não queria ser um “animal”. – Então Deus criou a mulher. Com isso erradicou enfado – e muitas outras coisas também! A mulher foi o segundo erro de Deus. (o grifo é meu) – “A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento. – Que sucedeu? O velho Deus foi acometido por um pavor mortal. O próprio homem havia sido seu maior erro; criou para si um rival; a ciência torna os homens divinos – tudo se arruína para padres e deuses quando o homem torna−se científico! – Moral: a ciência é proibida per se; somente ela é proibida. A ciência é o primeiro dos pecados, o germe de todos os pecados, o pecado original. Toda a moral é apenas isto: “Tu não conhecerás” – o resto deduz−se disso. – O pavor de Deus, entretanto, não o impediu de ser astuto. Como se proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta: expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar. – Então o “padre” inventa a angústia, a morte, os perigos mortais do parto, toda a espécie de misérias, a decrepitude e, acima de tudo, a enfermidade – nada senão armas para alimentar a guerra contra a ciência! Os problemas não permitem que o homem pense... Apesar disso – que terrível! – o edifício do conhecimento começa a elevar−se, invadindo os céus, obscurecendo os Deuses – que fazer? – O velho Deus inventa a guerra; separa os povos; faz com que se destruam uns aos outros (– os padres sempre necessitaram de guerras...). Guerra – entre outras coisas, um grande estorvo à ciência! – Inacreditável! O conhecimento, a emancipação do domínio sacerdotal prosperam apesar da guerra! – Então o velho Deus chega à sua resolução final: “O homem tornou−se científico – não existe outra solução: ele precisa ser afogado”...

1 – Paráfrase de Schiller, “Contra a estupidez até os Deuses lutam em vão”. (H. L. Mencken)

(Friedrich Nietzsche, O Anticristo, XLVIII)

domingo, 21 de novembro de 2010

Globalização

Willian Ferreira
Com o neo-liberalismo econômico pós Guerra Fria, se entregou ao poder econômico as rédeas das nações, o mundo se unificou, se interligou, se globalizou e fronteiras e culturas estão por desaparecer. O que antes era domínio do estado passou a ser a  privado: saúde, educação, saneamento básico... só restou segurança e coerção. O produto e o capital que antes era material, agora não tem cheiro não tem cor, é informação. Informação teleguiada, 24 horas, um disparo, um botão, mundo virtual em nenhuma mão. Empresas sem sede e sem nação, trabalho em casa para o patrão, é tudo virtual, folha de pagamento e cartão de ponto. E chegará o dia, não daquela utopia de Marx do desenvolvimento máximo, mas o dia que será privatizado todo o estado e então teleguiados por fibras ópticas na tela do computador, sem sair de casa, sem contato humano, sem calor... seremos também apenas máquinas, porque perdemos o controle. 

sábado, 13 de novembro de 2010

Auto Engano

"... o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entando, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer."
(Jean Paul Sartre)

O homem, quando diante de uma escolha difícil e desfavorável, com freqüência se refugia no auto-engano, fenômeno chamado por Sartre de má fé. O homem quando atormentado pela angústia de que é livre e que somente ele, sem auxílio algum, deve decidir por si mesmo, geralmente este recorre a duas opções. Na primeira delas se atribui a responsabilidade de sua ação à fatalidade de um destino. Na segunda este finge não escolher, se auto-engana ou segue uma moral pré-estabelecida, se torna adepto de algum dogma religioso, moral ou ideológico optando por seguir em vez criar-se a si próprio. Um bom exemplo disso é o indivíduo que numa eleição se abstém de votar ou vota nulo, alegando que não participará do processo democrático para não ser conivente com a escolha de um representante ruim, quando nenhuma das escolhas lhe é favorável. Ele alega que não escolher é também uma escolha. Porém ele está apenas se auto-enganando, acreditando que não escolhendo estará isento de responsabilidade no devir. O indivíduo que assim pensa, age desta forma somente para se livrar da angústia da escolha, da responsabilidade que implica assumir riscos quando não há alternativas favoráveis nem fáceis. Então ele prefere se acovardar assim como aquele que prefere morrer do que ir pra guerra. Viver implica em escolher, assumir riscos, responsabilidades e ser agente do próprio destino. Quem não escolhe a si próprio diretamente, escolhe a si próprio indiretamente como um acidente de percurso.

"A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites uma dentro da outra."
(Albert Camus)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Destinados a incompreensão

Edward Hopper


Não acredito que alguém possa me compreender. Para isso ser possível deveria supor que esse alguém pudesse me conhecer, pensar e sentir como eu. Mas eu sozinho já sou gente demais. Não sou numa única direção, não sou inteiramente livre para isso. Mas, se pelo contrário, sou em multi direções, quem pode estar em todas elas a não ser eu mesmo? O juízo do outro sobre mim estilhaça-me por completo. Seu entendimento não é sobre mim, mas apenas de um fragmento, ou sou por inteiro ou não sou. Se sou apenas o agora, o entendimento do outro está sempre desatualizado. Se não nos mostramos por completo, não em razão das máscaras sociais, mas em função de nossa própria limitação, qualquer juízo será apenas um sintoma. Ainda assim, se sou daqueles que se distanciam irremediavelmente da superfície para o profundo, para o abismo e não encontre dentre os vivos, alguém a quem me sinta próximo, que esperar daqueles que jamais sairam da superfície? Nada além de que estamos destinados a incompreensão.