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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os Donos da Verdade

O Beneficio da Duvida

Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo.

Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, armase um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um “führer”.

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem – desta vez não do bem espiritual, mas do bem social – que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer
e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

Não é fácil crer fervorosamente numa religião e, ao mesmo tempo, ser tolerante com as demais. As circunstâncias históricas e sociais podem possibilitar o convívio entre pessoas de crenças diferentes, mas, numa situação como do Oriente Médio hoje, é difícil manter esse equilíbrio. Ali, para grande parte da população, o conflito político e militar ganhou o aspecto de uma guerra religiosa e, assim, para eles, o seu inimigo é também inimigo de seu Deus e a sua luta contra ele, sagrada.

Não é justo dizer que todos pensam assim, mas essa visão inabalável pode ser facilmente manipulada com objetivos políticos. Isso ajuda a entender por que algumas caricaturas – publicadas inicialmente num jornal dinamarquês e republicadas em outros jornais europeus – provocaram a fúria de milhares de muçulmanos que chegaram a pedir a cabeça do caricaturista. Se da parte dos manifestantes houve uma reação
exagerada – que não aceita desculpas e toma a irreflexão de alguns jornalistas como a hostilidade de povos e governos europeus contra o islã–, da parte dos jornais e do caricaturista houve certa imprudência, tomada como insulto à crença de milhões de pessoas.

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.

Autor: Ferreira Gullar
Fonte: Folha de S. Paulo (edição impressa)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eterno Retorno

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

( Aforismo 341 do "A Gaia Ciência" - Friedrich Nietzsche)
 
Uma maneira poética e alegorica de ver a vida.

domingo, 4 de outubro de 2009

Filosofar

"Assim, pois, os filósofos são piores que os fariseus, sobre os quais lemos que impõem pesados fardos, sem eles mesmos erguerem um dedo para levantá-los. Pois isto é o mesmo, pouco importa que não os levantem, desde que possam ser levantados. Mas os filósofos exigem o impossível. E quando há um jove que acredita que filosofar não é conversar ou escrever, mas realizar com exatidão o que os filósofos dizem que se deve realizar, estes o fazem desperdiçar vários anos de sua vida, e então se mostra que aquilo era impossível, e então ele se deixou agarrar tão profundamente que talvez sua salvação seja impossível." (Kierkegaard)

"Não se aprender filosofia, se aprende a filosofar." (Kant)

"Filosofar é passear com um saco e, ao encontrar alguma coisa que sirva, pegar. " (G. Deleuze)

"A filosofia implica uma mobilidade livre no pensamento, é um ato criador que dissolve as ideologias" (Heidegger) 
  
"Filosofar é aprender a usar a nossa mente a nosso favor, para que outros não a usem para nos manipular." (Eu)

Sintetizando estes breves aforismas teremos uma ideia melhor do que é filosofar. Já que não se aprende filosofia, aliás toda filosofia existente é apenas a opinião subjetiva de cada filósofo, muitas vezes apenas seus preconceitos. Aprender a filosofar é, digamos, tomar conhecimento das idéias filosóficas existentes, as compreender e passa-las pelo seu filtro da critica, as questionar aproveitando ou destruindo tal ideia. Filosofar seria também fazer uma análise profunda sobre todas as questões que envolvem a existência humana, que são frequentemente ignoradas pela maioria das pessoas. Uma análise com objetivo de compreender teoricamente para aplicação na vida prática. É também abandonar todos os conceitos populares, os paradgmas e preconceitos na busca de suas próprias respostas, numa reflexão profunda avaliar todos os conceitos e formular sua própria moral, ou se preferir ser amoral. Filosofar é também aprender a viver, a ser dono de si mesmo, aprender a se construir, a ser um livre pensador, autonomia intelectual. E por fim filosofar é aprender a pensar a o pensar, a desenvolver ideias, e compreender ideais que são mais profundas do que parece, e aprender a aproveitar ideias de outros e não se prender somente a si mesmo.